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Saiba ao que deve estar atenta no final da gravidez

Uma grávida perdeu o bebé após passar por vários hospitais. Sentia dores intensas e peso abdominal. Nem sempre estes sintomas são verdadeiros sinais de alerta, mas é essencial que as grávidas sejam vigiadas de perto neste período, dizem os especialistas.

Uma mulher de 37 anos, grávida de 40 semanas, passou por cinco hospitais no período de 13 dias. O seu bebé acabou por nascer no Hospital de Santa Maria, masmorreu pouco tempo depois. Apesar de haver muitas incógnitas na história (e no seu desfecho), sabe-se que a grávida recorreu às urgências por queixas de dores intensas e de peso abdominal. Serão estes verdadeiros sinais de alerta no final da gravidez?

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Depende. É verdade "que as dores e as contrações regulares podem levantar a suspeita de que alguma coisa está a acontecer", admite Fernando Cirurgião. Mas, ressalva o especialista que é diretor do serviço de Obstetrícia e Ginecologia na Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, há dois cenários. "Há aquelas dores que são de treinamento, são as contrações que vão preparando para o parto mas que desaparecem espontaneamente e as outras que não passam e que levam mesmo ao trabalho de parto. Três a cinco contrações em cada 10 minutos e durante uma hora, é altura de ir para o hospital", aconselha.

Contudo, há situações em que a dor e o desconforto podem fazer surgir dúvidas. "E é lógico e lícito que a grávida procure ajuda e uma avaliação apenas para confirmar que está tudo bem com o bebé. Por vezes, até pode justificar o internamento", considera o obstetra. Apesar de as condições hoje em dia dificilmente o permitirem – com urgências cheias e algumas mesmo encerradas –, a reavaliação passadas umas horas pode ser determinante, até para despistar os chamados falsos trabalhos de parto. "A grávida ser internada, ser colocado um soro, ficar em repouso e as contrações passarem e ela ter alta", descreve.

O peso abdominal ou na região pélvica também está relacionado com as contrações – e é muito comum e até natural. "As coisas estão muito bem feitas quanto a isso. Quando há uma contração, o bebé é pressionado para a região pélvica, ou seja, para a saída. E muitas vezes a sensação de pressão pélvica mais intensa está consonante com as contrações", explica o especialista que também trabalha no Hospital Lusíadas de Lisboa.

Há outros sinais a que as grávidas, no final do tempo de gestação, devem estar atentas, nomeadamente os movimentos do bebé. Um número indicativo é o de pelo menos 10 movimentos no espaço de duas horas. Fernando Cirurgião sugere que as mulheres usem os gráficos do boletim da grávida para fazer essa autoavaliação ou até as apps do telemóvel. "Para não criar pânico, porque os bebés também podem estar a dormir, pode abanar um pouquinho a barriga ou comer um doce, a que tipicamente eles reagem", sugere.

Vigiar é o mínimo

Qualquer tipo de sangramento no final da gravidez também é sinal de preocupação – e de uma ida às urgências justificada. "Pode indicar um problema a nível da placenta, como um descolamento", diz. Numa gravidez normal, sem fatores de risco associados, as dores, os movimentos do bebé e a hemorragia vaginal são os principais motivos de alerta. Mas há ainda outra ressalva importante a fazer.  

"Uma grávida saudável, de baixo risco, com 37 anos, tem de fazer um CTG [exame que avalia o bem-estar fetal] todas as semanas, e tem de ter a data de parto marcada. Tem de saber o hospital em que o seu bebé vai nascer e o dia e hora em que se vai apresentar para a chamada indução do parto", diz à SÁBADO o ginecologista e obstetra Miguel Oliveira e Silva.

Falando em abstrato e sem querer entrar no caso que motivou este artigo (até por desconhecer os detalhes), o especialista diz que ter a data de parto marcada num hospital em concreto é "o mínimo". Porque o essencial numa gravidez de termo, não havendo fatores de risco, é mesmo a vigilância.

"As 40 semanas são consideradas a data prevista para o parto, é verdade que o bebé pode ficar mais uns dias, mas isso implica que haja uma vigilância regular dessa reta final", corrobora Fernando Cirurgião.

Uma mulher com mais de 35 anos é considerada só pela idade como tendo uma gravidez de risco – apesar de essa definição ter várias décadas e de há 30 anos a idade média para o primeiro filho em Portugal ser os 24; quando hoje é 31 ou 32 anos. Assim sendo, o que é suposto é que haja cuidados e vigilância do final da gravidez, assim como as coisas bem definidas.

Quando uma grávida é seguida apenas pelo médico de família, ao nível do centro de saúde, deve haver uma referenciação para o hospital a partir das 35 semanas – para que se iniciem as consultas peri-parto (à volta da data do parto) e a realização de CTG, um exame que não é feito nos Cuidados de Saúde Primários. "A ideia dessa referenciação para o hospital é dar continuidade na reta final da gravidez. Para que, quem lá está, a receber a grávida na consulta, possa perceber o seu histórico, as análises laboratoriais, as ecografias, o crescimento do bebé, e tomar as melhores decisões", enquadra o obstetra.

Contudo, o que está a acontecer é que muitas grávidas acabam por não ter esse acompanhamento no termo da sua gravidez. E, quando não há essa vigilância, estas mulheres ficam "num limbo", alerta o profissional de saúde. "São elas a tomar a iniciativa de aferir o bem-estar do bebé e delas próprias e depois, com tantas urgências fechadas, acabam por saltar de um lado para o outro", diz.

Ajuizando

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"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".