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Pagar para ficar sem telemóvel umas horas

Sónia Bento 21 de março de 2025 às 07:00

Os eventos do Offline Club servem para desconectar. Paga-se €12 para ficar longe do telemóvel a conviver, a ler, a escrever ou a jogar.

Na quarta-feira, numa igreja com um espaço de café, em Londres, cerca de 200 pessoas, entre os 20 e os 40 anos pagaram para retomar o controle do seu tempo livre, desligarem-se dos telemóveis e estar durante duas horas a conviver com estranhos. Este é um dos eventos do The Offline Club, uma iniciativa que organiza reuniões em que os participantes pagam 12 euros para se desconectarem e relaxarem sem poder recorrer aos telemóveis para ver as mensagens no Whatsapp ou no e-mail, espreitar o Instagram ou o Tik Tok. As inscrições esgotaram semanas antes do evento.

Como funciona este desconectar coletivo? Começa com 45 minutos de silêncio a ouvir música e segue-se uma hora para nos relacionarmos com os outros, a ler, a conversar, a tomar um chá, a jogar às cartas, a fazer trabalhos manuais, journaling ou tricô. O importante é não perder um minuto a olhar para o telemóvel que fica fechado numa caixa à entrada.

Recarregados, inspirados e cheios de ideias

O The Offline Club foi fundado em Amesterdão por três amigos: Jordy van Bennekom, Valentijn Klok e Ilya Kneppelhout, que se inspiraram em clubes de leitura, como o Reading Rhythms, em Nova Iorque, ou o Silent Book Club, onde as pessoas se reúnem para ler na companhia de outras. Em 2021, os três amigos passaram um fim de semana offline no interior da Holanda. "Amámos e voltámos recarregados, inspirados e cheios de ideias." Uma dessas ideias foi organizar escapadelas de fim de semana offline para outras pessoas. Em 2024, decidiram levá-las para um contexto urbano com um formato mais curto. Hoje está em sete cidades: Amesterdão, Londres, Paris, Barcelona, Milão, Dubai, Aarhus e em breve chegará também a Madrid. No Instagram, o The Offline Club – cuja missão é "trocar o tempo de ecrã pelo tempo real" – tem quase 500 mil seguidores.

Se em todo o mundo, as cidades procuram ter espaços para os nómadas digitais com acesso grátis à internet, na Holanda a tendência é exatamente o contrário: existirem sítios onde as pessoas possam estar e conversar como nos velhos tempos. No Offline Café - assim se chamam os cafés das cidades de Amesterdão, Utrecht e Nijmegen - o Dia Internacional Desligado da Net foi comemorado à antiga. Num ambiente informal e acolhedor, os clientes estiveram a fazer as coisas simples que faziam antes da era digital. No mês passado, mais de mil pessoas, entre os 20 e os 50 anos, juntaram-se em Amesterdão para estarem offline. Leram, fizeram artesanato, conversaram sobre livros, jogaram jogos de tabuleiro, conheceram outras pessoas e no fim afirmaram que foi "mágico".

Retiros e eventos para empresas

"Vim para fazer novos amigos. As pessoas reclamam que se sentem sozinhas, mas não estão dispostas a sair e a fazer um esforço para não se sentirem sozinhas", disse, ao The Guardian, Jayren Malijan, de 20 anos, um dos participantes de um evento Offline Club, numa igreja de Londres. E acrescentou: "A dependência dos telemóveis está a criar muitos introvertidos, especialmente entre os mais jovens. As pessoas não conseguem manter uma conversa". Quando chega a hora de recuperarem os telemóveis, ninguém parece ter pressa, o que leva a concluir que a desconexão é um êxito e que há vida para além dos dispositivos eletrónicos.

A The Offline Club também organiza experiências de detox digital personalizadas, como retiros de dois ou cinco dias sem telemóveis, com refeições vegetarianas preparadas por um chef. Também promovem eventos para empresas, como lançamentos de marcas, em que toda a gente estará com a atenção plena, sem se distrair com o telefone.

Há cada vez mais pessoas que optam por não ativar o roaming ou dispensam a palavra-passe da rede wi-fi do aeroporto e até escolhem hotéis com reduzida ou inexistente oferta digital. Muitos dos hotéis convidam os participantes — nesta luta contra o vício da ligação permanente — a deixar os aparelhos eletrónicos num cofre, recebendo um "kit de sobrevivência para desintoxicação digital", que inclui, por exemplo, jogos de tabuleiro, mapa de caminhadas e instruções para plantar árvores. O fenómeno do vício digital é de tal forma, que nos Estados Unidos foram criadas clínicas de desintoxicação, como a Paradigm, no Texas, onde o detox digital pode custar cerca de €1.300 por dia. Estudos indicam que os adolescentes passam, em média, seis horas por dia agarrados ao telemóvel e há até quem ultrapasse as 10 horas diárias. Isto tem consequências, como tendinites no polegar por usá-lo de forma excessiva, afeta os ombros, a cervical,  os olhos e a saúde mental, provocando ansiedade e depressão.

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