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Mário Soares: a queda de Salazar, o exílio e o 25 de Abril

Carlos Torres 05 de abril de 2022 às 10:00

Estava numa barbearia em São Tomé quando intuiu o fim do ditador, ao ouvir a notícia de que Salazar tinha sido operado a um hematoma cerebral. E a Revolução dos Cravos apanhou-o a dormir, num hotel em Bona, onde se ia encontrar com o líder do SPD. O segundo volume da biografia Mário Soares, Uma Vida, sai gratuitamente com a SÁBADO de 7 de abril.

A viver o seu desterro africano, Mário Soares estava numa barbearia perto do mercado, no centro de São Tomé, quando ouviu na Emissora Nacional a leitura de uma comunicação oficial a informar que Salazar tinha sido operado a um hematoma cerebral em virtude da queda que tinha sofrido um mês antes. Era o dia 7 de setembro de 1968 e Soares levantou-se de um salto, saindo sem acabar de cortar o cabelo: "Pensei: ‘Um homem com 80 anos não resiste facilmente a uma operação tão delicada ao cérebro’. E Gritei: ‘É o fim do salazarismo’".

Este episódio abre o segundo volume da biografia Mário Soares, Uma Vida, escrita pelo jornalista e investigador Joaquim Vieira e que a SÁBADO está a distribuir gratuitamente (o terceiro volume sai a 13 de abril e o quarto e último no dia 21).

Sentado na cadeira do barbeiro, Soares preconizou corretamente o fim do salazarismo (Salazar iria morrer em julho de 1970), mas a ditadura ainda iria durar quase mais seis anos. Mário Soares, como revelaria, esperava um levantamento contra o regime e o povo em júbilo, mas nada disso aconteceu. "Os ecos que me chegavam da metrópole eram mornos, indicativos de um alheamento quase completo. Ninguém reagia".

Soares iria ser autorizado a voltar a Portugal por Marcello Caetano, e regressou com o intuito de "prosseguir o percurso político", como referiu. Mas rapidamente se desiludiu: "Marcello Caetano não tocara em nada: as estruturas do regime e do seu aparelho repressivo mantinham-se intactos".

Depois da desilusão que foi o resultado que obteve com a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (5,2%), nas eleições para a Assembleia Nacional, em novembro de 1969, em fevereiro do ano seguinte Mário Soares decidiu ir fazer uma viagem para "descompressão e recreio" pela América. E ao tecer várias críticas ao regime, acabou por já não regressar a Portugal, preferindo exilar-se em Paris, onde se estabeleceu como professor de Civilização Portuguesa, primeiro na Universidade de Vincennes e depois na Sorbonne - iria deslocar-se a Lisboa para o funeral do pai, não sendo preso pela PIDE, que lhe deu quatro horas para sair do país, sob pena de ser preso e desterrado para Timor.

"No exílio, percebi que necessitava de jovens e de recrutar uma base operária, duas coisas que não tínhamos", contou, admitindo que nos anos que esteve em Paris estabeleceu "uma rede imensa de contactos", nomeadamente com os dirigentes sociais-democratas estrangeiros ou de outras correntes à esquerda, casos de François Mitterrand ou de Willy Brandt.

No dia 25 de Abril de 1974, Mário Soares estava na Alemanha. Tinha ido a Bona encontrar-se precisamente com o líder do SPD, então no poder, acompanhado pela sua mulher, Maria Barroso, e ainda pelos exilados Tito de Morais e Ramos da Costa. "Eu estava no hotel, a dormir profundamente, quando o telefone tocou às 7h da manhã", recordou. Maria Barroso atendeu e a secretária do SPD informou: "Olhe que houve uma revolta em Portugal".

Dois dias depois, Mário Soares apanhou o comboio Sud Express em Paris, apesar de lhe dizerem de Lisboa para não regressar ainda. "Eu vou. Eu vou", garantiu Soares, que ao chegar à fronteira, em Vilar Formoso, começou um "passeio triunfal", com aclamações das populações nas várias estações, até receber um grande banho de multidão em Santa Apolónia."Meteram-me na mão um megafone, para falar da varanda às massas que enchiam a praça. Senti, pela primeira vez, a responsabilidade das palavras que dizia, visto saber que tudo estava a ser transmitido pelas rádios e televisões, para o país inteiro e o estrangeiro, ávidos de ouvir a voz dos políticos vindos do exílio".

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