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Magda Gomes Dias: "Os pais têm de ver a série Adolescência com os filhos"

Vanda Marques 22 de março de 2025 às 10:00

A orientadora parental alerta que é crucial ver a série para se refletir a violência contra as mulheres. É urgente reforçar o "respeito pelo ser humano" e não permitir discursos radicais.

O que leva um adolescente, sem grandes problemas reportados, a assassinar uma rapariga da sua idade? O que está por trás de um comportamento destes? "Há uma chamada à ação para os que fazem parte da 'machoesfera'", diz uma das personagens dasérie Adolescência, que estreou na Neflix. O retrato duro, que está a chocar o mundo, expõe a radicalização masculinaonlinee o aumento da violência contra as mulheres.

Os criadores da série defendem que devem ser organizadas sessões para visionar Adolescência e para alertar para este problema. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, levou o tema ao parlamento e defende que a minissérie deve ser mostrada em escolas e em instituições públicas. "Esta violência praticada por jovens, influenciados pelo que veem na internet, é um problema real. É abominável e temos de o combater", concluiu. Afinal do que falamos? Como nos explica a orientadora parental Magda Gomes Dias é preciso conhecer o que se passa nas redes sociais, nos fóruns online e perceber o impacto deste tipo de discurso de ódio. Há jovens a propagar uma mensagem de violência contra as mulheres. 

Adolescência tem apenas quatro episódios, estreou no dia 13 de março, e mais de 25 milhões de pessoas já viram a série. Os criadores, Stephen Graham e Jack Thorne, queriam lançar o desafio: "O que faria se o seu filho fosse acusado de homicídio?". À imprensa Jack Thorne explicou o tipo de debate que pretendiam começa com a resposta a estas dúvidas. "Questões como: 'O que se passa com os nossos rapazes adolescentes?’ Phil, Stephen e eu analisámos a masculinidade - refletindo sobre nós próprios como homens, os tipos de pais, companheiros e amigos que somos, e questionando com intensidade quem somos como pessoas", esclareceu Jack Thorne.

Magda Gomes Dias, diretora da Escola da Parentalidade e autora de livros como Berra-me Baixo, 21 dias para deixares de gritar com o teu filho ou Crianças Felizes - O guia para aperfeiçoar a autoridade dos pais e a auto-estima dos filhos, diz que é urgente ver a série e em conjunto com os filhos. Deixa ainda mais dicas importantes como, por exemplo, saber o que os filhos fazem online, e ter as portas de casa abertas. A especialista realça a importância de conhecer os amigos dos filhos, como falam e o que pensam. E alerta: "O discurso deles é revelador."

Porque que é que é importante ver a série Adolescência?
Existe, efetivamente, uma realidade que desconhecemos, mas que se calhar já ouvimos falar dela. Falamos da realidade dos mundos radicalizados e extremistas. Ainda vivemos e bem num mundo em que nos sentimos livres e abertos ao outro. Ali, nessa realidade paralela das redes, não. Há uma supremacia e uma destruição de tudo aquilo que conquistámos. Por outro lado, existe uma primazia da violência e da agressividade. Mas com esta série, ainda que tenha muitos não ditos, vemos que existe esta realidade paralela.

A partir do momento em que tomamos conhecimento dela – e a forma como o fazemos é sendo um espetador e vivendo ao lado destas personagens – então nunca mais conseguimos não a ver. Acredito que vamos passar finalmente a levar a vida digital dos nossos filhos mais a sério.

As más influências já não são aquele miúdo com mau aspeto, que fuma, que diz umas asneiras, mas as más influências estão em todo o lado. Por vezes nos amigos queridos dos nossos filhos. Até nos nossos próprios filhos que fazem coisas que não conseguimos imaginar. A série vem revelar que isto pode acontecer com qualquer pessoa. E este medo conduz a um novo assumir de responsabilidade que é fundamental neste momento.

A partir de que idade se pode mostrar a série aos adolescentes?
Acho que tem de haver o bom senso da parte dos pais, porque depende da maturidade dos filhos. Por exemplo, recebi uma mensagem de uma mãe cujo filho de 13 anos não quis ver mais depois do segundo episódio. Mas há outros casos de adolescentes de 12 e 14 anos que gostaram. 

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É enquanto sociedade que devemos agir?
Totalmente. Não acredito que venham leis regular estas redes. Não vale a pena esperar. E a minha sugestão é que nós possamos atuar individualmente e coletivamente. Individualmente em nossas casas. Coletivamente, junto dos nossos amigos, das famílias, das escolas.

Vou dar um exemplo, enviámos mensagens a toda a nossa comunidade [da escola da parentalidade positiva e seguidores da página de Instagram], a alunos da escola, mas também de seguidores, pedindo às pessoas para verem esta série. Além disso, temos feito campanha para a remoção dos ecrãs nas escolas.

Escrevi uma mensagem para a escola e pedi novamente que vissem esta série e pedi que tudo o que fosse tecnologia fosse retirado. Porque muitos usam tablets nas aulas. É verdade que retirar só o acesso aos ecrãs não resolve tudo, mas dá-lhes acesso àquilo que eles deixaram de ter: ao contacto uns com os outros. Coisas simples como falarem uns com os outros, brincarem, irem ao bar e ficarem na conversa na fila. Enfim, fazerem trabalhos em conjunto na sala. 

Depois há outros aspetos a ter em conta como a agressividade na escola, o desamparo de alguns miúdos, a normalidade da família, o pai que quis ser diferente do seu próprio pai e pergunta-se se terá feito bem. O facto é que não está tudo nas mãos dos pais, mas de todos nós. Esta última mensagem é fundamental. É individualmente e em coletivo que devemos atuar.

Os pais têm de estar vigilantes daquilo que os filhos fazem na Internet?
Claro que sim. E parece-me que é fundamental também que os pais possam fazer o seguinte, que é verem a série com os filhos e que seja um ponto de partida para começar esta conversa que é absolutamente necessária. Se eu até sei qual é o autocarro que os meus filhos apanham e em que paragem saem, expliquem-me porque razão não posso saber onde andam online. Se há dificuldade em abordar o assunto, ver a série em conjunto pode ser um ponto de partida para introduzir o tema no debate.

Temos de ensinar melhor os papéis de género?
Muito sinceramente, aquilo que nós precisamos de ensinar é o respeito pelo outro. Porque é a partir do momento em que os miúdos dizem que a "mulher tem que estar no seu lugar, a cozinhar" e "que não deve pensar", "que não deve estudar", temos de reagir. Temos que trabalhar não só a questão da igualdade de género, como a do respeito pelos seres humanos. Portanto, é necessário empatia, respeito, consideração, um discurso mais moderado e menos radicalizado.

Vou dar um exemplo que gostei muito de um professor da minha filha. Uma vez fez um exercício que era perguntar à turma o que era o amor e pediu a cada um dos alunos para fazer um ensaio sobre o amor. Foi muito lindo ler aquilo que os miúdos escreveram e perceber que alguns deles, ainda que não tenham a experiência de amar alguém de outro sexo ou do mesmo sexo, sabiam exatamente o que podia ser o amor. E então, este tipo de temas de reflexão, de contacto com as emoções boas, precisam de estar em cima da mesa. Claro que a igualdade de género é importante e que temos de falar da sexualidade também, mas vamos começar pelo básico porque por vezes é o básico que nos falta.

Os sinais a que os pais devem estar atentos são a mudança de discurso, ou seja, um discurso mais radicalizado ao falar de mulheres e um discurso de descaracterização

Magda Gomes Dias

Cargo

A série é baseada na realidade, este tipo de crimes está a aumentar?
A série é baseada em casos reais. Portanto, o autor e ator Stephen Graham, viu duas histórias de rapazes que assassinaram raparigas, e perguntou-se: "porquê é que isto está a acontecer?" Então foi explorar. E está a aumentar. Há um caso, também em Inglaterra, de um rapaz que matou a filha de um apresentador inglês. Ela era a sua ex-namorada. Ele matou a rapariga, a irmã e mãe desta, só ficou o pai [o apresentador da BBC John Hunt]. Então está a aumentar e com mais violência.

E uma das coisas que começo a ver em sessões são mães que têm dificuldades com os filhos rapazes. Mas estas dificuldades não são só de comportamento. Não são aqueles embates de adolescentes de: "não me deixam sair". Mas de violência verbal e psicológica dirigida à mãe. Dirigirem-se às mães como  "filha desta", "filha daquela", "tu és burra", "não tens moral para me falar".

Acompanho uma senhora, que é divorciada há um ano, e o filho tem este comportamento. Estamos a falar de um miúdo que vai fazer 16 anos. Tenho também um outro caso muito semelhante mas mais novo com 13 anos. Não podemos descartar que estes miúdos  - não estou a dizer que estejam envolvidos nestas redes – mas que tenham tido contacto com pessoas que estão envolvidas nestas redes.

A que sinais devem estar atentos os pais?
Acrescentaria também os professores, porque isto acontece na escola. Conheço casos de miúdos que se viram para as professoras e lhes dizem: "A professora não sabe nada". E quando as professoras são jovens e bonitas, alguns deles fazem outro tipo comentários. Parece-me que estamos a levar isto com alguma leviandade ou naturalidade. Podem dizer uma primeira vez, nós corrigimos, mas não podem repetir uma coisa destas uma segunda vez.

Enquanto adultos temos de pôr aqui um travão. Os sinais a que os pais devem estar atentos são a mudança de discurso, ou seja, um discurso mais radicalizado ao falar de mulheres e um discurso de descaracterização. Passar a ter um discurso focado no poder do homem. É preciso estar atento a este tipo de músicas que ouvem, a que youtubers seguem e que podcasts ouvem. Enfim, é necessário estar atento.

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