Secções
Entrar

Adolescentes gostam menos da escola. Diretores reconhecem que aulas podem ser pouco atrativas

Lusa 14 de dezembro de 2022 às 09:00

Alunos dizem ter mais dificuldades na escola e que a matéria é "demasiada, aborrecida e difícil". Filinto Lima, representante dos diretores escolares, reconhece que as aulas podem ser pouco atrativas, em especial quando os professores estão focados em preparar os estudantes para "um exame de hora e meia" quando se deveria estar a "preparar os jovens para a vida".

O gosto pela escola diminuiu nos alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, que continuam a achar a matéria demasiada aborrecida e difícil, segundo os resultados e um estudo em 51 países que serão apresentados esta quarta-feira.

EPA/Mariscal

"Este valor tem vindo sempre a agravar e comparando com outros países (…) este é sempre aquele indicador que nós temos menos bom", considerou a coordenadora do estudo, Tânia Gaspar, sublinhando a necessidade de a escola "fazer uma aproximação à realidade dos jovens".

Esta investigação - Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS) 2022 – feita em colaboração com Organização Mundial de Saúde, indica que a pressão com os trabalhos de casa (muita pressão) aumentou (de 13,7% em 2018 para 22,4% em 2022) e que o que os alunos menos gostam na escola é a comida nos refeitórios.

Segundo os dados o gosto pela escola baixou de 70,4% (em 2018) para 69,7%, as atividades extracurriculares passaram da terceira para segunda posição daquilo que os alunos menos gostam na escola, ao contrário do que aconteceu com as aulas, que são agora a terceira coisa de que os alunos menos gostam.

Os dados indicam ainda que os colegas são o que menos frequentemente os alunos não gostam, deixando de ser os intervalos/recreios, como acontecia em 2018.

Mostram ainda que as dificuldades com a escola e com os trabalhos da escola aumentaram de 2018 para 2022. A matéria continua a ser considerada demasiada (87,2% em 2018 para 87,9% em 2022), aborrecida (84,9% em 2018 para 87,4% em 2022) e difícil (82% em 2018 para 82,1% em 2022). Há 30,3% dos jovens que disseram não gostar da escola.

Tânia Gaspar sublinha, a este nível, a necessidade de a escola "se atualizar e conseguir acompanhar os jovens no seu modo de contacto com o conhecimento". Em declarações àLusa, também a investigadora Gina Tomé, da equipa portuguesa do HBSC/OMS e Aventura Social/ISAMB/Universidade de Lisboa, considera que "a escola ainda está naquela estrutura de há anos" e "não evoluiu".

"A escola está a perder terreno (…). A escola que a nossa geração frequentou não é a mesma que estes jovens estão a frequentar, mas no fundo a estrutura é a mesma", considerou a investigadora, acrescentando: "os professores também acusam isso, estão motivados e têm vontade [de mudar], não têm é recursos".

A referência ao stress das avaliações também aumentou nos dados recolhidos este ano, passando da quarta posição em 2018 para a terceira posição em 2022 (77% em 2018 para 83,1% em 2022). Alguns adolescentes referem também a pressão dos pais pelas boas notas (58,4%).

Comparando com o estudo realizado em 2018, baixou ligeiramente a relação com os colegas (de um valor médio de 11,89 para 11,77), enquanto a relação com os professores se manteve (11,36). De qualquer forma, sublinha Tânia Gaspar, "a escola continua a ser um local de segurança e de proteção".

Menos de um em cada quatro jovens (22,8%) refere existir um incentivo à comunicação e relação entre a escola e a família e 30,7% dos adolescentes consideram importante melhorar a comunicação entre a escola e a família. Quase um em cada três jovens (31%) apontam a pouca participação dos pais na associação de pais como a principal barreira à relação entre a escola e a família.

"Quem trabalha nestas áreas sabe que esse envolvimento [dos pais na escola] vai decrescendo muito ao longo da escolaridade. Quando as crianças são mais pequenas há uma maior adesão, e depois, progressivamente, vai havendo menos", explicou a coordenadora do estudo.

A responsável sublinhou ainda: "Temos que pensar em que moldes é que isso poderá continuar, porque se formos a ver, se perguntarmos a um jovem do 9.º ou 10.º ano se quer que o pai vá à escola, se calhar ele também não quer, porque quer ter o seu espaço, a sua autonomia".

"Então temos todos de pensar como é que se serão formas boas e positivas para as várias partes, para os pais poderem fazer parte da escola, mas também sem se intrometerem no desenvolvimento e na autonomia natural dos filhos", considera Tânia Gaspar, acrescentando: "Temos algumas boas práticas, relacionadas com atividades extracurriculares que são desenvolvidas e em que a escola está aberta aos pais". Tudo para que os pais "não sejam apenas chamados para as reuniões", onde, por vezes, "as notícias não são as melhores", concluiu.

O representante dos diretores escolares reconhece que as aulas podem ser pouco atrativas para os alunos, em especial quando os professores estão focados em preparar os estudantes para os exames nacionais de acesso ao ensino superior.

Os resultados do estudo não surpreendem o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP): "Não sentimos que haja muita novidade neste estudo, tendo em conta aquilo que ouvimos e sentimos dos nossos alunos", disse Filinto Lima em declarações àLusa.

"Há certas matérias que são extensas e nós também o achamos", acrescentou, lembrando que as escolas têm atualmente alguma autonomia através do projeto de autonomia e flexibilidade curricular, mas ainda estão sob a pressão do acesso ao ensino superior que faz com que alguns professores estejam focados em preparar os seus alunos para os exames nacionais.

Filinto Lima lamenta o foco na preparação para "um exame de hora e meia", quando se deveria estar a "preparar os jovens para a vida", mas diz-se esperançado com as palavras da ministra do ensino superior, Elvira Fortunato, que recentemente prometeu rever o modelo de acesso ao ensino superior.

Mas, apesar de considerar que o modelo de trabalho na escola está a mudar, lembra que os telemóveis e os computadores passaram de "intrusos" a "convidados". "Os professores agora já dizem aos alunos para usarem os telemóveis e os computadores para fazerem pesquisas e trabalhos", lembrou o também diretor de um agrupamento de escolas de Vila Nova de Gaia.

O estudo hoje divulgado integrou cerca de seis mil questionários, em 40 agrupamentos de escolas do ensino regular (Portugal continental), num total de 452 turmas. Este trabalho pretendeu estudar os estilos de vida dos adolescentes em idade escolar nos seus contextos de vida, em áreas como o apoio familiar, escola, saúde física, saúde mental e bem-estar, sono, sexualidade, alimentação, atividade física, lazer, consumo de substâncias, violência e saúde planetária. Em Portugal, o primeiro destes estudos foi aplicado em 1998 e o último tinha sido em 2018.

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela