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Descoberta identidade das meninas em fuga do Holocausto 84 anos depois

Luana Augusto com Ana Bela Ferreira 04 de julho de 2023 às 08:00

Fotografia de três raparigas judias a fugir da Alemanha nazi numa estação de comboios em Londres, tornou-se famosa nos museus, exposições e publicações. Oito décadas depois sabe-se que são Hanna Cohn, Inge Adamecz e à sua irmã Ruth.

Foi no livroNever Again, do historiador Martin Gilbert, que aborda o tema do holocausto, que Inge Adamecz, já reformada, viu a sua fotografia, de que já nem se lembrava, ser publicada. "Foi uma grande surpresa. Ele escreveu no livro 'as três meninas', por isso escrevi-lhe a dizer que estávamos bem vivas", disse.

Stephenson / guettyimages

Na altura em que lhe tiraram a fotografia tinha 5 anos e tinha fugido da sua casa na Alemanha, juntamente com a irmã Ruth, de 10 anos. A sua mãe e a irmã mais nova ficaram para trás e mais tarde acabaram por morrer em Auschwitz, contou à BBC.

Ao ver a imagem onde estava também Ruth, lembrou-se do quanto a irmã estava afetada com toda aquela situação. Quanto à rapariga do lado, que carregava uma boneca no colo, nunca soube quem ela era.

Tratava-se de Hanna Cohn, na altura com 10 anos. As três raparigas viajaram juntas no mesmo comboio. Com elas estava também o irmão de Hanna, Hans, cuja ponta das calças é visível na fotografia original.

O comboio tinha partido de Harwich, uma cidade na Inglaterra, e seguia para Liverpool. "Os bancos eram estofados, não eram de madeira e eu estava muito preocupada que pudéssemos estar na primeira classe por engano", disse Hanna, numa entrevista à Universidade de Londres, antes de morrer em 2018.

A viagem e a boneca que carregava, eram as únicas coisas de que se lembrava. "Chegámos a um grande salão e tinha na mão uma boneca a que chamei Evelyn", relembrou. Com exceção desse detalhe, nenhuma delas se lembrava de ter tirado a fotografia.

Hanna soube da existência da imagem quando o seu irmão a viu numa exposição, na Camden Library, em Londres, para assinalar o 50º aniversário do Kindertransport, uma grande operação que consistiu no transporte e salvamento de cerca de 10.000 crianças judias, retiradas da Alemanha nazi em 1939.

As filhas de Hanna, Debbie e Helen Singer, revelaram que a mãe sempre teve muita curiosidade sobre quem seriam as outras duas raparigas, agora conhecidas como Inge e Ruth. "Quando víamos a fotografia ela dizia: 'Quem serão as outras duas raparigas?'"

Só em janeiro deste ano, mais de 80 anos depois de a imagem ter sido tirada é que as filhas descobriram quem eram as outras duas raparigas, depois de se terem deparado com uma série de áudio da BBC. A série The Girls: A Holocaust Safe House contava a história esquecida de um abrigo onde Inge e Ruth passaram parte da guerra.

"Era o Dia da Memória do Holocausto e uma amiga enviou-me um link para a notícia da BBC", contou Helen Singer. Nessa altura não percebeu qual era o objetivo de lhe terem enviado uma ligação, mas quando desceu a página viu a fotografia da mãe, juntamente com os nomes das outras duas criaças: Ruth e Inge.

Quando as filhas de Hanna souberam, encontraram-se em abril com Inge, a única sobrevivente das três, no Museu Imperial da Guerra em Londres, onde a fotografia icónica está exposta há mais de 20 anos. "Inge é uma pessoa especial nas nossas vidas. Acho que a mãe ficaria orgulhosa de nós", disse Debbie.

Quanto ao fotógrafo, soube-se através de registos dos Arquivos de Hulton, da Getty Images, que se tratava de John Stephenson e que trabalhava para a Topical Press Agency, uma agência de fotografia britânica, que empregava mais de 1.000 fotógrafos.

Foi no dia 5 de julho de 1939 que o autor da fotografia a legendou: "Três meninas à espera na estação de Liverpool Street". No dia seguinte, já tinha sido publicada no jornal The News Cheonicle. Após o surgimento da era digital, passou a aparecer cada vez com mais frequência em jornais e exposições.

Durante o encontro entre Inge e as filhas de Hanna, os arquivos da Getty atualizaram a legenda da fotografia para o nome das três raparigas. "Estou bastante emocionada, porque o nome da nossa mãe e a sua origem estão agora ligados a esta fotografia, juntamente com Inge e Ruth, e não são apenas crianças sem nome", disse Debbie. Já Helen acrescentou: "Elas não eram apenas três raparigas, eram pessoas com nomes e vidas importantes".

Inge, que tem agora 89 anos e que está a viver no sul de Londres, esperou mais de 80 anos para saber o nome da simpática menina com quem partilhou a boneca.

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