Vasco Pulido Valente: cronista político de verbo afiado
Apelidado de pessimista, foi crítico de todos os governos, da regionalização, de Cavaco Silva, de Mário Soares, analisou "os portugueses", ou "os indígenas", que "dizem mal dos outros portugueses e de Portugal".
Vasco Pulido Valente, historiador, ensaísta e escritor, que hoje morreu aos 78 anos, foi analista de verbo afiado sobre a política portuguesa e para grande parte dos políticos da Democracia, de Mário Soares a Cavaco Silva.
Deputado casual, esteve pouco menos de seis meses na bancada do PSD, entre 1995 e 1996, no parlamento, foi secretário de Estado da Cultura no Governo da Aliança Democrática (AD), de Sá Carneiro, mas o que o tornou conhecido foram as crónicas em que a política e os políticos foram a sua matéria-prima, e algumas vezes usadas no debate parlamentar.
"Às Avessas" era o título da crónica no semanário "O Independente", de que foi diretor adjunto, escrevia a coluna "Faz de conta" no DN e, nos últimos anos o "Diário", no Público, onde assinou o seu último texto a 25 de janeiro.
Apelidado de pessimista, foi crítico de todos os governos, da regionalização, de Cavaco Silva, de Mário Soares, analisou "os portugueses", ou "os indígenas", que "dizem mal dos outros portugueses e de Portugal".
"Mas isso significa que têm a segurança necessária e suficiente para dizerem mal de Portugal e dos portugueses", disse na última entrevista que deu ao Público, em 21 de outubro de 2018, em que também confessou: "Nós somos ótimos!".
Em democracia, ninguém escapou ao seu verbo e adjetivos e ficaram célebres algumas frases, curtas e incisivas, sobre as personalidades que fizeram a história do país desde 1974.
Sobre Cavaco Silva, ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República disse: "É a alma mais desértica que o Ocidente produziu. Nutro por ele um verdadeiro sentimento de horror."
Apoiou Mário Soares na primeira candidatura presidencial, mas também o criticou. "Nunca tive ilusões em relação à sua verdadeira natureza. Tem convicções -- poucas, mas firmes -- e tem horríveis defeitos que o incapacitam para ser um governante ativo", escreveu.
Na mesma entrevista ao Público, já após a morte de Mário Soares, afirmou ter falado com o antigo Presidente, um telefonema que descreveu assim: "Quando ele morreu estávamos em muito bons termos. Um mês antes dele morrer fiz-lhe um telefonema sentimental e delicodoce em que lhe disse que gostava muito dele. Mas dizer 'amigos' é excessivo. Amigos implica uma relação de igualdade que eu nunca tive com o dr. Soares."
E saiu também da caneta de VPV a descrição que se colou a António Guterres, primeiro-ministro entre 1995 e 2002, "picareta falante". "Fugiu e deixou o país num estado deplorável", escreveu.
Dos políticos de hoje, também tinha opiniões fortes e foi ele quem associou, pela primeira vez o PS à palavra que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define como "coisa ou construção improvisada ou com pouca solidez", em agosto de 2014.
Chamou "geringonça" ao PS, depois das eleições primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro, entre António José Seguro e António Costa: "O eleitor médio de qualquer partido (...) começa a fugir da geringonça a que se chama PS." E em 16 de outubro de 2015, já com a "geringonça" em construção, escreveu, também no Público: "A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar."
Um mês depois, ainda líder do CDS e no Governo, Paulo Portas, usou, no parlamento, o termo para atacar a solução de governo: "O acordo de esquerda não é bem um governo, é uma geringonça." António Costa respondeu mais tarde: "É uma geringonça, mas funciona".
Numa entrevista ao DN, também em 2018, fez uma análise sobre o primeiro-ministro, António Costa, a Rui Rio, líder do PSD, e a Marcelo Rebelo de Sousa, "um presidente implausível".
"É muito mau, mas sem comparação com os anteriores. Estes senhores [Costa e Rio] podem ser medíocres, mas têm sentido das responsabilidades. Não são parvos como eram aqueles dois." E os dois eram os antecessores de Costa, Durão Barroso, que "lá foi para a Europa ser criado dos outros", e Pedro Santana Lopes, que "ficou cá e foi o desastre que se viu".
O Presidente Marcelo também mereceu, há dois anos, uma tirada: "Já disse tudo o que tinha a dizer sobre Marcelo Rebelo de Sousa. É um presidente implausível. No outro dia estava a vê-lo na televisão a abraçar um boneco do Campeonato do Mundo na Praça Vermelha de Moscovo. E pensei: um senhor de idade, com uma situação na vida, de fatinho e gravata, a abraçar um boneco na Praça Vermelha. Isto faz algum sentido?"
Mas Vasco Pulido Valente elogiou alguém. De Cristiano Ronaldo, o futebolista, afirmou: "Se fosse um cirurgião, eu gostava de ser operado por ele."
NS // ACL
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