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Oposição queria "inquérito" a deputada por conflito de interesses, PS colocou travão e agora regras podem mudar

06 de abril de 2021 às 11:12

O parecer sobre conflito de interesses da deputada socialista Joana Lima, que admitiu ter "arranjado" reuniões entre investidores para a compra da empresa Omni, já não consta da agenda da comissão de Transparência e do Estatuto do Deputados.

Um eventual conflito de interesses da deputada socialista Joana Lima deu origem a um processo polémico no parlamento, o PSD pediu um inquérito, que o PS travou, e agora pode mudar o regulamento da comissão de Transparência.

Esta terça-feira, o assunto em concreto, o parecer sobre o conflito de interesses da deputada do PS, que admitiu ter "arranjado" reuniões entre investidores para a compra da empresa Omni, já não figura na agenda da comissão de Transparência e do Estatuto do Deputados (mesa e coordenadores), mas sim a "apreciação das alterações ao regulamento da comissão".

Deputados ouvidos pela Lusa admitiram que a saída para o impasse do caso Joana Lima poderá ser esse, uma alteração ao regulamento, de modo a resolver uma polémica que pôs de um lado o PS, isolado, e do outro PSD, BE, CDS, PAN e o PCP, segundo a ata da reunião de 23 de março, consultada pela Lusa, em que o assunto foi debatido.

A solução poderá passar, segundo as mesmas fontes, pela criação de um grupo de trabalho - a que as comissões parlamentares podem recorrer - para analisar estes casos de conflito de interesses e já não pelo inquérito a que o Estatuto dos Deputados se refere na alínea j) do n.º 1 do artigo 27.º.

Este caso nasceu com uma notícia do Correio da Manhã, em 28 de fevereiro, segundo a qual Joana Lima, deputada eleita pelo PS, conseguiu duas reuniões entre investidores brasileiros interessados na compra da Omni e técnicos da Parvalorem, a empresa pública a quem a Omni deve 17 milhões de euros.

Questionada, a ex-autarca da Trofa afirmou: "Enquanto deputados, nós ajudamos as empresas. Procurei apenas o interesse público, desbloquear processos e arranjar reuniões. É para isso que somos eleitos."

Em seguida, a associação cívica Transparência e Integridade (TI) escreveu à Assembleia da República, a questionar se já tinha sido analisada a questão, carta que Ferro Rodrigues remeteu aos deputados da comissão de Transparência. Já em março, foi decidido que a comissão faria um parecer sobre o assunto, da responsabilidade de Hugo Oliveira, deputado do PSD e vice-presidente da comissão.

A controvérsia, que pôs o PS de um lado e todos os outros, PSD, BE, PAN, CDS e PCP, do outro, surgiu na reunião de 23 de março, de acordo com a ata, consultada pela Lusa.

Hugo Oliveira, o relator, invocou a alínea j) do n.º1 do artigo 27.ºA do Estatuto do Deputado, revisto em 2019, para propor um "procedimento de inquérito" e "avaliar a conduta seguida" pela deputada, o que "permitirá apurar todas as questões colocadas pela Transparência e Integridade e outras que eventualmente surjam".

E alertou que este "inquérito é realizado com as limitações decorrentes" de a comissão "não gozar dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, por não ser uma comissão de inquérito" e por "apenas" poder usar os "poderes próprios das comissões parlamentares", "requerendo informações, solicitando depoimentos de cidadãos ou realizando audições parlamentares de entidades".

O PS, através de Pedro Delgado Alves, contestou e estranhou que se coloque agora a "questão metodológica" pois "já tinha havido situações idênticas em que se tinha apreciado eventuais incompatibilidades e impedimentos" e em que houve decisões da comissão através de parecer.

O deputado socialista questionou o inquérito e alertou para "as suas implicações" dado que, "no fundo do que se trata é de apuramento de factos", ou seja, se houve a quebra de alguma regra legal por parte de Joana Lima. E pediu o adiamento da votação.

Seguiu-se o debate em que André Coelho Lima, do PSD, disse que "a lei não deveria constar a expressão 'inquérito', mas está lá e não se pode ignorar", ressalvando ainda considerar "perigoso ter de se fazer inquéritos a deputados".

André Silva, do PAN, argumentou que não havia dúvidas quanto ao "inquérito" e que já devia estar a aplicar-se o Estatuto do Deputado, "não a pedir que se faça um parecer" nem se se "devia perder tempo em procedimentos e burocracia".

Pelo CDS, João Almeida questionou que tipo de inquérito se vai fazer, mas concluiu que a comissão "vai ter de lidar com isso e aplicar a lei" e interrogou-se sobre que "tipo de sanções é que poderão vir a ser aplicadas" à deputada.

Pedro Filipe Soares, deputado do BE, defendeu a mudança do estatuto, em 2019, que os bloquistas votaram, e que "este tipo de averiguações", ou inquérito, "já constava inclusive" e era possível na versão anterior da lei.

João Oliveira, do PCP; "criticou a posição do PS, que disse não compreender, pois foi o autor destas alterações". E ironizou que, "depois de ter ateado o fogo", agora, "com o incêndio provocado pelas novas normas", o "encara com poesia".

Pelo meio, Jorge Lacão, o socialista que presidia aos trabalhos, ainda chegou a sugerir, a título pessoal, a criação de uma comissão de Ética para tratar este tipo de casos, mas a ideia não recolheu apoios.

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