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Governo queria 200 novas salas no pré-escolar mas só conseguiu 28. O principal problema? Valor pago por criança 

Susana Baptista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, pede que o Governo reveja as condições propostas para o contrato de associação ou que opte por voltar aos contratos de desenvolvimento para a educação pré-escolar.

A pouco mais de dois meses do início de mais um ano letivo ainda não há respostas para o que vai acontecer às crianças que neste momento usufruem do programa Creche Feliz, programa que foi anunciado pelo governo de António Costa para que todas as crianças nascidas depois de 1 de setembro tivessem acesso gratuito às creches, evão passar para o ensino pré-escolar

Em abril, o Governo anunciou que vai avançar com o apoio financeiro ao setor privado para aumentar a rede existente para crianças entre os 3 e 5 anos. O objetivo do Ministérios da Educação e da Segurança Social era conseguirem 200 novas salas capazes de garantir o acesso a cinco mil crianças, no entanto segundo os dados divulgados na quarta-feira pelo Público conseguiu apenas pré-candidaturas para 28 novas turmas, o que é equivalente a menos de 1.700 vagas.  

O principal entrave ao interesse por parte do setor privado parece ser o valor oferecido por cada criança. Enquanto no programa Creche Feliz o Governo paga 517 euros por criança aqui está a propor o valor de 208,5 euros mais 15 mil euros, caso seja aberta uma nova sala. 

Susana Baptista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), partilha com a SÁBADO que é "muito difícil criar salas novas porque para isso é necessário contratar educadoras de infância e neste momento há uma enorme falta de educadoras", por isso "o mais fácil é aproveitar as vagas que já existem e não ficam ocupadas" para incluir as crianças que entrem pelo acordo de associação feito com o Estado. A responsável ressalva que, em outubro de 2024, foi feito um levantamento entre os associados da ACPEEP e existiam 5.500 vagas disponíveis: "Na altura alertámos o Governo deste número de vagas em salas já existentes e referimos que podia ser alcançado um acordo". 

Ora se as vagas existem por que que não existiram mais estabelecimentos de ensino a demonstrarem interesse em fazer um acordo de associação com o Estado? Susana Baptista alerta que a principal razão é o valor oferecido, que considera "manifestamente insuficiente para garantir a frequência gratuita de uma criança": "É muito difícil encontrar um jardim de infância que cobre este valor", refere. Ainda assim considera que é normal haver uma diferença entre o valor acordado com os estabelecimentos de ensino na Creche Feliz e neste programa porque "as creches são sempre mais caras, porque são precisas mais educadoras e auxiliares. Numa sala de berçário podem estar apenas dez bebés, na creche 15 e no jardim de infância esse número passa para 25". Porém, a responsável garante que "não é uma diferença assim tão grande".  

Outro dos problemas é que, neste caso e ao contrário do que acontece na Creche Feliz, o Estado vai "pagar apenas a componente pedagógica com a alimentação e o prolongamento de horário a ficar a cargo dos pais", "tal como no setor público, os valores cobrados por esses serviços vão ser calculados em função dos rendimentos das famílias". No entanto, Susana Baptista apresenta uma grande diferença: "No público se os rendimentos de uma família forem muito baixos e não conseguir suportar os custos com a alimentação esses custos são suportados pelo Estado, e em última análise pelos nossos impostos, mas se isso acontecer a uma criança que esteja a frequentar o ensino privado, com um acordo de associação, a portaria refere que os custos vão ter de ser suportados pelo jardim de infância". 

Desde que o programa Creche Feliz começou incluir os estabelecimentos do ensino privado, a 1 de janeiro de 2023, que tem dado muito que falar. A polémica começou por só se poder recorrer a uma vaga no setor privado se não houvesse nenhuma vaga em todo o concelho no setor social, fazendo com que muitos pais fizessem dezenas de quilómetros para conseguirem aceder a uma vaga gratuita. Ultrapassado esse problema, começou a ser noticiado que as dificuldades de acesso continuam devido ao número elevado de crianças que passou a frequentar a creche.

Até ao momento as crianças que frequentam a creche num estabelecimento de ensino privado chegam ao momento da passagem para o jardim de infância (da sala dos dois para os três anos) e têm duas opções: ou conseguem uma vaga na rede de jardins de infância públicos e social ou têm de se manter no ensino privado e suportar os custos. Não tendo sorte de ficar colocado e não conseguindo pagar o ensino privado algumas crianças têm de deixar de frequentar os estabelecimentos de ensino.  

Para evitar que tal aconteça, Susana Baptista garante que a ACPEEP continua disponível para negociar, "se o Governo quiser rever as condições que propõe para o contrato de associação", ou fazer parte de outras soluções pelo que sugere "que se opte por uma solução mista recorrendo a contratos de desenvolvimento para a educação pré-escolar". Estes contratos, "que estão legislados há 30 anos", são assinados "diretamente com as famílias tendo em conta os seus rendimentos" o que permite que "as famílias continuem a escolher os jardins de infância e que os estabelecimentos de ensino possam continuar a praticar os seus preços, se o valor acordado com o Estado for inferior ao pedido pelo jardim de infância são as famílias que têm de pagar o resto".

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