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Uma reunião do Infarmed cheia de boas notícias, mas com muitos avisos

Diogo Barreto 22 de fevereiro de 2021 às 19:13

A imunidade pode chegar mais cedo, a taxa de transmissão está em mínimos históricos e a mortalidade a descer. Mas "relaxar" ainda é uma palavra proibida.

O plano de vacinação está a correr sobre rodas e a imunidade de grupo pode chegar mais cedo do que esperado; Portugal tem a menor taxa de transmissão da Europa; os portugueses estão a usar mais a máscara e a taxa de incidência reduziu em todo o país. Mas todos os especialistas que falaram na reunião do Infarmed garantem que é necessário manter os cuidados e que tudo pode ser deitado a perder.

A ministra da Saúde disse no final da reunião que a maior mobilidade registada na última semana pode indiciar um "relaxamento" no cumprimento das medidas restritivas devido à pandemia e apelou a que se mantenha o respeito pelo confinamento.

"Na última semana, o índice de mobilidade aumentou ligeiramente e este é um aspeto que deve suscitar atenção, na medida em que sabemos que os valores a que chegámos são valores que resultam de um esforço e, se esse esforço se inverter, voltaremos a atingir números de incidência e números de risco de transmissão que não são compatíveis com o que precisamos de garantir", afirmou Marta Temido.

Reunião Infarmed DGS Lusa

A reunião que reúne vários especialistas e decisores políticos, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, começou num tom muito positivo com André Peralta Santos, da Direção-Geral de Saúde, a dar conta de que a incidência de novos casos tinha reduzido em todo o território nacional.

Peralta Santos referiu que as regiões que inspiram mais cuidados continuam a ser a região de Lisboa e Vale do Tejo e o Centro, mas que já são poucos os municípios com incidência acima dos 960, ou seja, com uma incidência extremamente elevada.

Até mesmo a Madeira já está a meio de um processo de descida dos novos casos, depois de um aumento preocupante nas últimas semanas.

Foi também referido nesta primeira fase da reunião que se verificou uma descida nos internamento em unidades de urgência e que nos últimos 14 dias a mortalidade reduziu 37%.

Depois foi a vez de Baltazar Nunes explicar que Portugal tem o índice de transmissão, o famoso Rt, mais baixo da Europa nos últimos cinco dias analisados (13 a 17 de fevereiro). Está atualmente abaixo do valor de 1 em todas as regiões. O valor do R em 0,67 é "o mais baixo estimado desde o início da epidemia, disse, adiantando que nos últimos dias se encontra uma estabilização do valor R".

O epidemiologista Baltazar Nunes estimou ainda que o número de doentes com covid-19 internados em cuidados intensivos possa estar abaixo dos 300 em meados de março e abaixo dos 200 no final do mês. No entanto, o médico João Gouveia, do grupo de coordenação da resposta em medicina intensiva, lembra que a situação da medicina intensiva "é ainda muito frágil".

"A situação da medicina intensiva em Portugal é ainda muito frágil, temos uma situação atual que não é real, é enganadora. É necessário completar obras em curso e assegurar recursos humanos", reiterou João Gouveia, que, após vincar que a taxa de ocupação não deve exceder os 85% - ou seja, sensivelmente 242 doentes covid em cuidados intensivos -, assegurou que Portugal só vai conseguir chegar "no final da terceira semana de março" aos 245 doentes.

O investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) Baltazar Nunes ressalvou, no entanto, que as projeções apresentadas têm muitas condicionantes.

"Nada do que se projeta está adquirido, vai depender de conseguirmos manter a atual tendência de decréscimo de novos casos e esta tendência depende das medidas atualmente implementadas, da sua adoção pela população assim como dos comportamentos preventivos da população e do controlo da transmissão das novas variantes do SARS-CoV-2 que ainda representam são muito prevalentes a população", afirmou.

De seguida, João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, explicou o impacto das variantes do SARS-CoV-2 no nosso país, começando pela vinda do Reino Unido. 

O especialista começou por explicar que mais de 90% dos casos em Inglaterra são desta variante e que se prevê que em todos os países em que a variante entrar, esta será dominante. Na Irlanda, por exemplo, 75% dos novos casos são já desta variante e o crescimento é também exponencial na Dinamarca. Já na Suíça e em Portugal, depois de uma fase de crescimento exponencial, os contágios pela nova variante entraram numa fase de estabilização. 

A estimativa é de que haja 150 mil casos associados a esta variante desde 1 de dezembro, em Portugal. Ao todo foram detetados mais de 10 mil casos numa amostra de 53 mil casos. Na semana passada, cerca de 48% dos casos detetados deverão ser da variante do Reino Unido.

João Paulo Gomes diz que foi a atenção das autoridades e dos infetados que permitiu ater algum controlo sobre a variante. Mas voltou a deixar um aviso: quando o desconfinamento for levantado, é natural que a variante se espalhe de forma exponencial, sendo obrigatório manter cuidados e algumas restrições até que se atinja a imunidade de grupo. "E a imunidade de grupo é atingida não só pela vacinação, mas pelas centenas de milhares de portugueses já infetados com um sistema imunitário robusto."

O especialista revelou ainda que a até 22 de fevereiro foram detetados 4 casos da variante surgida na África do Sul e que nos últimos 15 dias foram detetados sete casos de infetados com a variante brasileira, num surto que está, aparentemente, controlado.

A vacinação
O vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador da equipa de planeamento do processo de vacinação contra a covid-19, antecipou um possível aumento do ritmo de inoculações para 100 mil por dia e sublinhou que a imunidade de grupo pode ser alcançada já em agosto e não no final de setembro, como inicialmente previsto.

"Há uma expectativa mais positiva relativamente ao segundo trimestre e muito mais positiva relativamente ao terceiro e quarto trimestres. Se estas expectativas de disponibilidades de vacinas se mantiverem e materializarem num futuro próximo, o período em que se pode atingir a imunidade de grupo - 70% - pode eventualmente reduzir-se relativamente ao fim do verão para passar para meados do verão, em volta de meados ou início de agosto", disse.

O militar reforçou a necessidade de recorrer a outros meios para a administração de vacinas além dos centros de saúde, algo que já havia defendido anteriormente, como a possível extensão do processo às farmácias. "Vai haver uma concentração de vacinas já no segundo trimestre suficiente para aumentar a velocidade de vacinação para cerca de 100 mil vacinas por dia, o que fará com que se tenha de pensar em modelos alternativos aos centros de saúde nos cuidados primários para que este processo de vacinação corra sem problemas nas inoculações", garantiu.

Gouveia e Melo foi mais longe e reiterou que com o desaparecimento do estrangulamento de disponibilidade de vacinas nesta primeira fase, a "administração de vacinas precisa de estar robusta e suficientemente apta para acompanhar" o ritmo preconizado de 100 mil inoculações diárias no país para a segunda e terceira fases.

O responsável pelo processo referiu que o país já recebeu quase um milhão de vacinas contra a covid-19 desde o final de dezembro e que já foram administradas cerca de 680 mil, sendo que para esta semana estão previstas mais 230 mil inoculações.

"Mostra uma execução muito elevada. Já temos sete por cada 100 habitantes com uma inoculação pelo menos; 4,5% da população com a primeira dose e 2,7% com a segunda dose. O plano de vacinação está a correr bem, face às disponibilidades que existem", sentenciou.

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