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Operação Lex: Vaz das Neves justifica distribuição manual de processos como prática corrente

Lusa 04 de novembro de 2025 às 15:55

Defendeu ser feita de "boa-fé" e em nome do bom funcionamento dos tribunais.

O ex-juiz desembargador que presidiu à Relação de Lisboa, Vaz das Neves, justificou esta terça-feira no julgamento da Operação Lex como sendo uma prática corrente a distribuição manual de processos a uma única secção de desembargadores daquele tribunal.
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Foi já no final da sessão da manhã, do julgamento que decorre no Tribunal Militar de Lisboa, que o coletivo de juízes confrontou Vaz das Neves com aquilo que o antigo juiz desembargador classificou como "uma metodologia" e prática habitual no tribunal, que defendeu ser feita de "boa-fé" e em nome do bom funcionamento dos tribunais. Na sua declaração inicial ao tribunal Vaz das Neves descreveu perante o coletivo presidido pelo conselheiro José Piedade o processo de distribuição manual de processos, nomeadamente dos três em que o Ministério Público (MP) lhe imputa a prática de um crime de corrupção e dois de abuso de poder, referindo o ex-desembargador que o sorteio era feito na sua sala, na presença de um vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) e do funcionário secretário do tribunal. Nesses sorteios, disse, que foram sempre feitos "de boa-fé, sem qualquer intenção que não fosse o bom funcionamento do tribunal", e afastar suspeitas sobre a independência dos juizes que pudessem vir a tomar decisões sobre os processos em causa, nomeadamente o ex-desembargador Rui Rangel, eram sorteados juízes do foro criminal do TRL. "Recusei sempre ser um presidente [do TRL] meramente formal", disse Vaz das Neves, defendendo a sua atuação em prol do bom funcionamento do tribunal e da Justiça. Rui Rangel e a sua secção, a 9.ª, eram excluídos do sorteio feito com a introdução de papéis num saco ou tômbola e escolha aleatória de um papel. O objetivo era afastar a possibilidade de Rui Rangel - e dos desembargadores da sua secção, com quem tinha maior proximidade - vir a ser o juiz relator de processos como o que envolveu o empresário ligado ao Sport Lisboa e Benfica, José Veiga, com quem Rangel, que foi candidato à presidência do clube, teria uma relação de proximidade. Os sorteios excluíram também os juízes da 5.ª secção e eram feitos apenas aos juízes da 3.ª secção, o que Vaz das Neves disse ser prática habitual do tribunal nestes procedimentos, que ao excluir uma secção fazia o sorteio manual aos desembargadores da secção seguinte e apenas a esses. O conselheiro Jorge Gonçalves questionou "o racional" dessa decisão de escolher apenas juizes da 3.ª secção, eliminando do sorteio 1/3 dos juizes da área criminal -- os da 5.ª secção. "Aceito a observação, mas foi sempre a metodologia que o tribunal utilizou", respondeu Vaz das Neves, acrescentando que "pode dizer-se que era a metodologia errada, mas era a prática". Na mesma linha, o conselheiro Ernesto Nascimento questionou a exclusão de parte dos desembargadores e questionou porque decidiu Vaz das Neves antecipar-se aos mecanismos previstos na lei para evitar incompatibilidades, referindo que poderia ter partido de Rui Rangel a iniciativa de pedir escusa. Depois de questionar Vaz das Neves se ao não o fazer não estaria a menorizar as competências dos desembargadores, o arguido foi aconselhado pelo seu advogado, Miguel Matias, a não responder a esta questão. Já tinha sido anteriormente aconselhado no mesmo sentido, quando o juiz presidente, no decurso das declarações de Vaz das Neves em que este reiteradamente afirmou não ter havido com a distribuição manual de processos qualquer intenção de favorecimento de terceiros, como alegada o MP, questionou o arguido sobre uma mensagem SMS de Rui Rangel em que apenas constava o número do processo referente a José Veiga. Vaz das Neves viria depois a referir-se a essa mensagem, afirmando que nunca a recebeu e desconhecer se ela alguma vez foi enviada e com que intenções, acrescentando mais tarde "não ter a mínima dúvida" que o coletivo que decidiu o processo em causa "atuou de forma honesta" e "com total imparcialidade". O ex-presidente do TRL ao longo da manhã insistiu por diversas vezes não lhe poder ser imputada a prática de qualquer crime pela forma como os processos foram distribuídos, até por não haver previsto na lei nesse sentido, afirmando que "não existe qualquer relação entre o ato da distribuição e o ato de julgar", não podendo por isso resultar da distribuição o favorecimento de terceiros ou obtenção de vantagens, como alegado. "Se isso fosse verdade estaríamos perante a terrível situação em que estaria posta em causa a Justiça", disse, acrescentando que nenhum dos desembargadores envolvidos nas decisões em causa neste processo é arguido. Argumentou ainda em sua defesa que o processo de distribuição manual seria prática corrente também noutros tribunais, o que foi validado num relatório aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 2020, sem reparos à prática ou qualquer ilicitude apontada. Socorreu-se ainda do CSM para fazer a sua defesa da honra, recordando que o processo disciplinar que lhe foi instaurado pela prática dos mesmos factos subjacentes ao julgamento em curso concluiu que não houve qualquer obtenção de vantagem. O processo Operação Lex foi conhecido em 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas e teve origem numa certidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu o empresário de futebol José Veiga, suspeito de crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e tráfico de influências. Para além de Luis Vaz das Neves, Rui Rangel e José Veiga são também arguidos neste processo a ex-juiza desembargadora Fatima Galante e o ex-presidente do Benfica Luís Filipe Vieira, num total de 16 arguidos.
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