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Hospitais devem ter urgências com equipas fixas e como especialidade médica

29 de novembro de 2019 às 07:27

Grupo de peritos nomeado pelo Governo aponta que serviços de urgências são "terra de ninguém" e que metade dos episódios que atendem não são verdadeiras urgências.

Um grupo de trabalho criado peloMinistério da Saúdedefende que os serviços de urgência nos hospitais passem a funcionar com equipas fixas e propõe a criação da especialidade de medicina de urgência e emergência.

No relatório entregue ao Governo e a que a agência Lusa hoje teve acesso, o grupo de trabalho recorda que os serviços de urgência não têm "quadro de profissionais médicos próprio" e defende como "mais valia" a criação de equipas dedicadas nas urgências, necessidades que há 17 anos estão identificadas.

"A mais valia desta solução é a estabilização das equipas com profissionais conhecedores do modo de funcionamento do serviço, que asseguram a continuidade do trabalho e dinâmica", indica o documento.

O Ministério da Saúde, já na altura liderado pela ministra Marta Temido, tinha criado em janeiro este grupo de trabalho, com o objetivo de propor medidas que melhorem o funcionamento dos serviços de urgência.

O grupo de peritos sublinha como dificuldade nos serviços de urgência dos hospitais o facto de os médicos "consumirem uma boa parte do seu horário" em urgências, reduzindo as horas dedicadas à atividade dos outros serviços (consultas externas, exames complementares, hospital de dia).

Para responder a todas as solicitações acontece uma "hipertrofia das equipas de médicos de diferentes serviços para assegurar turnos de serviço de urgência".

O recurso a médicos prestadores de serviço (através de contratação externa) tem sido uma forma de colmatar as necessidades das urgências, mas esses profissionais não estão integrados no hospital e muitas vezes não têm a necessária diferenciação técnica.

É com base nestes argumentos que o grupo de trabalho propõe a definição de equipas próprias, além de sugerir especialidade de medicina de urgência e emergência e da subespecialidade em medicina pediátrica de urgência.

Já em março de 2002 tinha sido publicado um despacho a defender a necessidade de uma competência em emergência médica: "passaram 17 anos desde a publicação deste despacho, que identificava já um problema que se mantém atual", recorda o documento.

O relatório aponta para a necessidade de "núcleos profissionais fixados aos serviços de urgência, coexistindo num regime misto com outros profissionais de outros serviços a trabalhar na urgência em turnos".

"Um dos principais problemas dos serviços de urgência em Portugal é serem a terra de ninguém, sem sentimento de pertença e o parente pobre dos serviços de ação médica hospitalares. A especialização será um fator interno de estabilização de recursos humanos médicos, com escalas facilitadas, possibilidade de ganhos financeiros e aumento da segurança clínica", refere o documento.

Apesar de a criação da especialidade constar como a primeira proposta do relatório, dois dos 12 membros do grupo de trabalho não a votaram favoravelmente. Um deles foi um dos representantes da Ordem dos Médicos, Jorge Penedo, e outro foi Diogo Cruz, médico de medicina interna e subdiretor-geral da Saúde.

Portugal é um dos quatro países europeus que ainda não têm a especialidade de medicina de urgência e emergência, mas a Ordem dos Médicos já admitiu estudar em breve a sua criação.

São mais de 80 países no mundo que criaram já a especialidade em medicina de urgência e emergência, 27 deles na Europa, segundo a Sociedade Europeia para a Medicina de Urgência/Emergência, que defende que a especialização e um sistema bem organizado são "capazes de aumentar a sobrevivência e reduzir a incapacidade depois de qualquer situação de urgência ou emergência médica".

Em Portugal, o centro da discussão será a Ordem dos Médicos (OM), entidade que tem a competência para definir e criar novas especialidades médicas.

Atualmente existe em Portugal uma competência em emergência médica, a que pode aceder qualquer médico, mas não há qualquer especialidade específica que englobe medicina de urgência e emergência. São cerca de 780 os clínicos que têm atualmente essa competência em emergência.

Urgências são "terra de ninguém"


O mesmo grupo de trabalho nomeado pelo Governo indica ainda que os serviços de urgência são "terra de ninguém", considerando que metade dos episódios que atendem não são verdadeiras urgências, mas continuam erradamente a ser a porta de entrada no SNS.

Um dos problemas identificados é a "alta prevalência de episódios de serviços de urgência inadequados", o que afeta "negativamente os profissionais de saúde e reduz a qualidade do atendimento, com tempos de espera de diagnósticos ou tratamentos tardios".

Há uma consistência identificada ao longo do tempo e o excesso de procura não se centra apenas no Inverno: apenas cerca de 50% dos episódios observados nos serviços de urgência hospitalares correspondem a doentes tidos como urgentes segundo a triagem de Manchester (por cores).

Portugal é, aliás, o país com maior número de episódios de serviço de urgência.

"Os serviços de urgência continuam a ser erradamente a porta de entrada no SNS. É necessário alterar esta cultura de 'tudo e tudo na hora'", refere o relatório do grupo de trabalho a que a agência Lusa teve acesso.

Para o grupo de peritos nomeado pelo Governo, um dos principais problemas das urgências hospitalares em Portugal é "serem uma terra de ninguém e o parente pobre dos serviços de ação médica hospitalares".

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