Governo recusa explicar negócio de €34 milhões em Angola
Há mais de um mês que os gabinetes de António Costa e de Gomes Cravinho (MNE) não respondem à SÁBADO sobre uma obra adjudicada por Angola à Mota-Engil, mas que agora vai ser paga por Portugal depois do preço aumentar 20%.
Mais de um mês e três emails repetidos depois, o Governo continua sem responder a várias perguntas sobre os contornos da recuperação de um antigo forte – São Francisco do Penedo – com vista à criação do Museu da Libertação Nacional de Angola.
Por exemplo, como é que o Estado português passou, em poucos meses, de fiador para financiador deste projeto? Esta mudança do papel do Estado português aconteceu no decorrer da visita do primeiro-ministro a Angola em junho? Se sim, em que moldes? Foi um pedido do governo angolano? Se sim, quais as justificações?
E, uma vez que a obra está a decorrer há algum tempo, qual é o estado neste momento deste projeto em termos financeiros? Existe uma dívida para com a empresa Mota-Engil (diretamente ou através de uma subsidiária) por trabalhos já realizados? Se sim, quanto?
Mais ainda: a empresa Mota-Engil abordou direta ou indiretamente algum membro do Executivo para que a posição do Estado português mudasse de fiador para financiador? Se sim, quando e por quem e junto de quem?
Finalmente, qual a explicação para o aumento da obra em 20% em poucos meses, uma vez que em maio de 2023 a obra era de €28,4 milhões e o apoio que o Governo concedeu em dezembro de 2023 foi de €34 milhões?
O primeiro capítulo deste caso remonta a 4 de maio de 2023, data do Despacho N.º 5167/2023 publicado em Diário da República (assinado pelos ministros das Finanças e da Economia) em que era dada "autorização para a concessão da garantia do Estado relativa ao financiamento do projeto de restauro e apetrechamento da Fortaleza de São Francisco do Penedo".
Segundo se lê, Angola adjudicou a obra à Mota-Engil através de um crédito bancário a 12 anos e o Estado português ficou como fiador. O empréstimo de €31.869.655 era composto por 15% de comissão para o Estado português por ser fiador (€3.467.418) e por €28.402.237 como "valor do contrato comercial" com a Mota-Engil, ou seja, o preço da obra.
Esta operação estava inserida numa denominada "Convenção Portugal-Angola", que, em termos práticos, é uma linha de financiamento de €2 mil milhões, operacionalizada pelo Banco Português de Fomento (tutelado pelos ministérios da Economia e das Finanças), em que o Estado português serve de fiador do Estado angolano junto da banca quando são adjudicados contratos a empresas portuguesas.
Desconhece-se como evoluiu a obra e como se encontra agora, ou se há dívidas por liquidar do Governo angolano à empresa portuguesa por trabalhos já realizados. Em março de 2023, dois meses antes do despacho em que o Governo português se constituiu fiador, o embaixador de Portugal em Luanda (Francisco Alegre Duarte) visitou a obra juntamente "com o CEO da Mota-Engil Angola, António Graça", divulgou a embaixada nas suas redes sociais.
Em junho de 2023, António Costa foi a Angola em visita oficial e até discursou nas instalações do futuro museu. Embora essa alteração não tenha sido divulgada na altura, Costa ter-se-á comprometido a retirar este projeto da Mota-Engil da tal linha de financiamento, passando Portugal a pagar tudo.
É isso que diz diretamente uma publicação no Facebook da embaixada de Portugal em Angola a propósito da assinatura deste memorando em dezembro: "(…) É um marco importante, que vem dar cumprimento ao compromisso de Sua Excelência o Primeiro-Ministro, na sequência da visita que efetuou a Angola no passado mês de junho".
Finalmente, a 10 de dezembro de 2023 foi assinado um "memorando de entendimento" pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, o seu homólogo angolano e o embaixador de Portugal naquele país. O documento formalizava um apoio de Portugal de €34 milhões para a recuperação do antigo forte.
O Estado português deixou assim de ganhar uma comissão de €3,5 milhões e a obra, em poucos meses (de maio a dezembro) passou de €28,4 milhões para €34 milhões (mais 20%), pagos por Portugal, que passou de fiador a financiador.
A SÁBADO não encontrou no site da Mota-Engil nem em qualquer um dos seus Relatórios & Contas Consolidadas desde 2016 nenhuma referência a esta obra. Estes documentos financeiros têm várias referências ao longo dos últimos anos à recessão no país e às dificuldades de pagamento de Angola. Talvez por isso a empresa tenha começado a ter especial precaução em angariar contratos com "cobertura de financiamento" (como se pode ler no relatório de 2019).
Note-se que em janeiro de 2019, o jornal Correio de Kianda escrevia que a empresa portuguesa tinha naquela altura contratos de €800 milhões com o Governo angolano. Um deles seria o da fortaleza, uma vez que a adjudicação fora anunciada em 2017 por €33,5 milhões.
O gabinete de António Costa enviou apenas à SÁBADO o que consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2023, "em que todos os fundamentos da decisão estão explícitos". A resolução "autoriza a disponibilização de um montante extraordinário para apoio direto ao Orçamento Geral do Estado de Angola."
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Boas leituras!