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Governo recusa explicar negócio de €34 milhões em Angola

Marco Alves 29 de janeiro de 2024 às 14:55

Há mais de um mês que os gabinetes de António Costa e de Gomes Cravinho (MNE) não respondem à SÁBADO sobre uma obra adjudicada por Angola à Mota-Engil, mas que agora vai ser paga por Portugal depois do preço aumentar 20%.

Mais de um mês e três emails repetidos depois, o Governo continua sem responder a várias perguntas sobre os contornos da recuperação de um antigo forte – São Francisco do Penedo – com vista à criação do Museu da Libertação Nacional de Angola.

Por exemplo, como é que o Estado português passou, em poucos meses, de fiador para financiador deste projeto? Esta mudança do papel do Estado português aconteceu no decorrer da visita do primeiro-ministro a Angola em junho? Se sim, em que moldes? Foi um pedido do governo angolano? Se sim, quais as justificações?

Foto do Facebook da Embaixada de Portugal em Angola

E, uma vez que a obra está a decorrer há algum tempo, qual é o estado neste momento deste projeto em termos financeiros? Existe uma dívida para com a empresa Mota-Engil (diretamente ou através de uma subsidiária) por trabalhos já realizados? Se sim, quanto?

Mais ainda: a empresa Mota-Engil abordou direta ou indiretamente algum membro do Executivo para que a posição do Estado português mudasse de fiador para financiador? Se sim, quando e por quem e junto de quem?

Finalmente, qual a explicação para o aumento da obra em 20% em poucos meses, uma vez que em maio de 2023 a obra era de €28,4 milhões e o apoio que o Governo concedeu em dezembro de 2023 foi de €34 milhões?

O primeiro capítulo deste caso remonta a 4 de maio de 2023, data do Despacho N.º 5167/2023 publicado em Diário da República (assinado pelos ministros das Finanças e da Economia) em que era dada "autorização para a concessão da garantia do Estado relativa ao financiamento do projeto de restauro e apetrechamento da Fortaleza de São Francisco do Penedo".

Segundo se lê, Angola adjudicou a obra à Mota-Engil através de um crédito bancário a 12 anos e o Estado português ficou como fiador. O empréstimo de €31.869.655 era composto por 15% de comissão para o Estado português por ser fiador (€3.467.418) e por €28.402.237 como "valor do contrato comercial" com a Mota-Engil, ou seja, o preço da obra.

Esta operação estava inserida numa denominada "Convenção Portugal-Angola", que, em termos práticos, é uma linha de financiamento de €2 mil milhões, operacionalizada pelo Banco Português de Fomento (tutelado pelos ministérios da Economia e das Finanças), em que o Estado português serve de fiador do Estado angolano junto da banca quando são adjudicados contratos a empresas portuguesas.

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Foto: Facebook/Embaixada de Portugal em Angola
Foto: Facebook/Embaixada de Portugal em Angola
Foto: Facebook/Embaixada de Portugal em Angola
Foto: Facebook/Embaixada de Portugal em Angola
Foto: Facebook/Embaixada de Portugal em Angola


Desconhece-se como evoluiu a obra e como se encontra agora, ou se há dívidas por liquidar do Governo angolano à empresa portuguesa por trabalhos já realizados. Em março de 2023, dois meses antes do despacho em que o Governo português se constituiu fiador, o embaixador de Portugal em Luanda (Francisco Alegre Duarte) visitou a obra juntamente "com o CEO da Mota-Engil Angola, António Graça", divulgou a embaixada nas suas redes sociais.

Em junho de 2023, António Costa foi a Angola em visita oficial e até discursou nas instalações do futuro museu. Embora essa alteração não tenha sido divulgada na altura, Costa ter-se-á comprometido a retirar este projeto da Mota-Engil da tal linha de financiamento, passando Portugal a pagar tudo.

É isso que diz diretamente uma publicação no Facebook da embaixada de Portugal em Angola a propósito da assinatura deste memorando em dezembro: "(…) É um marco importante, que vem dar cumprimento ao compromisso de Sua Excelência o Primeiro-Ministro, na sequência da visita que efetuou a Angola no passado mês de junho".

Finalmente, a 10 de dezembro de 2023 foi assinado um "memorando de entendimento" pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, o seu homólogo angolano e o embaixador de Portugal naquele país. O documento formalizava um apoio de Portugal de €34 milhões para a recuperação do antigo forte.

O Estado português deixou assim de ganhar uma comissão de €3,5 milhões e a obra, em poucos meses (de maio a dezembro) passou de €28,4 milhões para €34 milhões (mais 20%), pagos por Portugal, que passou de fiador a financiador.

SÁBADO não encontrou no site da Mota-Engil nem em qualquer um dos seus Relatórios & Contas Consolidadas desde 2016 nenhuma referência a esta obra. Estes documentos financeiros têm várias referências ao longo dos últimos anos à recessão no país e às dificuldades de pagamento de Angola. Talvez por isso a empresa tenha começado a ter especial precaução em angariar contratos com "cobertura de financiamento" (como se pode ler no relatório de 2019).

Note-se que em janeiro de 2019, o jornal Correio de Kianda escrevia que a empresa portuguesa tinha naquela altura contratos de €800 milhões com o Governo angolano. Um deles seria o da fortaleza, uma vez que a adjudicação fora anunciada em 2017 por €33,5 milhões.

O gabinete de António Costa enviou apenas à SÁBADO o que consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2023, "em que todos os fundamentos da decisão estão explícitos". A resolução "autoriza a disponibilização de um montante extraordinário para apoio direto ao Orçamento Geral do Estado de Angola."

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