Sábado – Pense por si

Pedro Marta Santos
Pedro Marta Santos
07 de novembro de 2021 às 10:00

Instintos de extintos

Para os que gostam de colocar Portugal na alvorada do progresso, é curioso saber que o primeiro-ministro não comparecerá em Glasgow, pois não tem tempo para cuidar do tempo. Em análises à água, percebeu-se que os peixes algarvios já nadam entre plásticos e tomam Prozac e Brufen, cujos resíduos no oceano comprovam a nossa neura

QUE MUDANÇA de paradigma pode ser esperada da COP26, uma conferência sobre alterações climáticas que tem o número dos seus falhanços estampado no título? Filha bastarda do Acordo de Paris, esse circo Cardinali das boas-intenções, o encontro de Glasgow que reúne os 197 signatários parisienses é um desastre à espera de acontecer, a pedra de toque na derrocada ambiental. Os objectivos são tão cristalinos como improváveis de atingir: reduzir para metade até 2030 as emissões de gases de efeito de estufa e alcançar a neutralidade carbónica até 2050, de forma a não ultrapassar um aumento de 1,5 graus da temperatura do planeta até 2100. Perante esta meta, a maioria dos nababos do G20, responsável por 80% das emissões globais, não reforçou o seu downsizing. O Congresso dos EUA reprovou o corte crítico de 50% das emissões até 2030. A Índia, a Rússia, o Irão e o Japão (quatro das dez nações mais poluentes, que lançam para a atmosfera 64% dos gases aceleradores do aquecimento global) não estão dispostos a refrear os combustíveis fósseis até 2030. Já a China, o deus da destruição desta mitologia verídica, pontapeou a neutralidade carbónica para 2060, enquanto anunciava 43 novas centrais movidas a carvão. Pelo meio, Guterres, o ubermensch da consciência católica, repete que é urgente fazer sete vezes mais do que o que prevíramos. Ora, para o efeito, seria necessária uma civilização verdadeiramente planetária, e a humanidade nunca fez em uníssono o que é exigível, quanto mais sete vezes… A petrolífera saudita Aramco teve em 2020 um ano excepcional, com 158% de subida nos lucros. E, da Alemanha ao Brasil, as empresas de combustíveis ou os países mega-poluentes não estão interessados numa transição energética rápida. Enquanto isso, os mexilhões proliferam pelas costas dos países subdesenvolvidos, os mais frágeis face à subida dos níveis do mar, a cheias devastadoras, a secas inclementes, a colheitas catastróficas, a novas doenças respiratórias e infeciosas. E no mundo globalizante, já se sabe que mexilhões se lixam primeiro. Para os que gostam de colocar Portugal na alvorada do progresso, é curioso saber que o primeiro-ministro não comparecerá em Glasgow, pois não tem tempo para cuidar do tempo. Em análises à água, percebeu-se no mês passado que os peixes algarvios já nadam entre plásticos e tomam Prozac e Brufen, cujos resíduos no oceano comprovam a nossa neura. É a vida. 

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