No fim da vida, a minha avó que sempre tinha rezado pela saúde de todos, rezava agora para que a sua vida terminasse porque já não aguentava sofrer mais. E mesmo assim, esse tal deus que se anunciava bondoso e compreensivo, não a deixou ir quando ela pediu.
ÀS VEZES DOU POR MIMa pensar no filho que fui quando morava em casa dos meus pais. Agora que tenho filhos, é como se tivesse um espelho retrovisor que me mostra o que eu não era. Nesse espelho consigo ver que não aproveitei os meus pais como devia, porque estava demasiado fechado nas minhas certezas, todas elas secretamente feitas de dúvidas. Quando se está assim tão certo de tudo, sobra pouco espaço para o resto. Trancamo-nos em nós próprios, e ai de quem tente dizer que estamos mal. Temos certezas porque estamos com tanto medo de crescer, que quase parecemos feitos de matéria inquebrável. Primeiro a minha irmã saiu de casa, e fiquei a viver com o meu pai, a minha mãe e a minha avó. A minha avó tinha ido viver connosco porque já não conseguia viver sozinha, voltou para ser cuidada depois de tudo o que cuidou de nós. Os dois irmãos da minha mãe fugiram da responsabilidade, e acho que essa foi a primeira vez que percebi o que era a pequenez. Homens grandes a serem bichos pequenos. Ver o sofrimento da minha avó quando soube isso foi um soco na minha inocência. Nesse preciso momento deixei de ter tios maternos, deixei de usar essa palavra, porque as palavras também podem mudar o que têm dentro delas. Um irmão de uma mãe não tem de ser um tio, pode ser só alguém que por um acaso do destino também foi filho dos mesmos avós. Mais tarde saiu o meu pai, e a casa foi ficando com um tamanho diferente, como se se estivesse a desfazer aos poucos; mas as paredes não mexiam, mantinham-se firmes apesar de tudo. Fiquei eu, a minha mãe e a minha avó. Nós os três éramos agora a família inteira que vivia naquela casa, cada um a tomar conta do outro. A minha avó a sofrer dia e noite, a sentir-se um peso, e nós a darmos-lhe o amor de todos os que não estavam lá, porque uma avó é uma sorte desmedida que nos calhou. Depois de muito sofrimento, a minha avó morreu. No processo dessa despedida, deixei de acreditar em deus, no mesmo deus que ela me tinha ajudado a acreditar. Quando eu era pequenino deitava-me na cama com ela, e ela rezava o terço pelos familiares. Eu ouvia aquele sussurro e sentia que nada nem ninguém me podia fazer mal, porque estava protegido pelas orações sussurradas da minha avó. Rezava por todos, e no fim - só no fim - é que rezava por ela. Quando a vi sofrer o que sofreu, percebi que esse tal deus a quem ela rezava era uma fraude. Um deus que tem alguém tão dedicado, que só consegue fazer bem e não contempla sequer o mal, alguém que não falhou uma missa nem uma noite de terço e mesmo assim sofre tanto para morrer, não merece respeito. No fim da vida, a minha avó que sempre tinha rezado pela saúde de todos, rezava agora para que a sua vida terminasse porque já não aguentava sofrer mais. E mesmo assim, esse tal deus que se anunciava bondoso e compreensivo, não a deixou ir quando ela pediu. E então fiquei eu e a minha mãe. Era adolescente, e achava que a minha casa era só o meu quarto.
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