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Rui Costa Pereira Advogado
07.12.2024

Não, não é mais um texto a falar dos panos nas janelas

Percorrendo o Código Penal e alguma legislação avulsa, sem qualquer dificuldade, se conclui que o estender de panos, com propaganda partidária, por alguns deputados eleitos, nas janelas da Assembleia da República, não é crime em Portugal. E acrescento: e ainda bem que não é!

Na sexta-feira da semana passada, entre destacar a aprovação do Orçamento de Estado para 2025 e perder (e fazer perder) tempo na notícia de nem meia dúzia de panos estendidos nas janelas do Palácio de São Bento, a comunicação social privilegiou esta última. Já no decurso desta semana, e porque não tinha sido suficiente o tempo perdido naquele dia, fomos inundados com as notícias sobre um inquérito criminal iniciado na decorrência daqueles acontecimentos. 

Até pode ser óbvio, mas valerá a pena sublinhar o seguinte: 

Se o inquérito em causa se iniciou com a receção de uma denúncia anónima, o Ministério Público não estava obrigado a coisa nenhuma, sequer a iniciar uma investigação criminal. Já aqui disse e agora repito: a denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se dela se retirarem indícios da prática de crime ou?se a própria denúncia anónima?constituir crime. 

Percorrendo o Código Penal e alguma legislação avulsa, sem qualquer dificuldade, se conclui que o estender de panos, com propaganda partidária, por alguns deputados eleitos, nas janelas da Assembleia da República, não é crime em Portugal. E acrescento: e ainda bem que não é! 

E como este não é mais um texto para falar de panos à janela, termino apenas esta parte dizendo esperar que surjam tão rapidamente como surgiram aquelas outras notícias a notícia do arquivamento desse inquérito, único ato legalmente possível – aliás, obrigatório – neste caso, quer se entenda que há prova bastante de se não ter verificado crime, quer se considere que é legalmente inadmissível o procedimento – hipótese que será mais plausível, face ao que foi noticiado. 

O fim do corte de 5% no vencimento dos titulares de cargos políticos – corte esse que havia sido imposto em 2010, numa altura em que as contas públicas do Estado não eram as de hoje – é uma medida não só justa, como até tardia. Mais: é – pelo menos na teoria, já lá vamos à prática – uma medida escassa.  

Quem, em 2024, ainda acredita que os lugares ocupados pelos titulares dos cargos políticos são suficientemente atrativos pela dignidade institucional ou pela "nobreza" desses lugares, é ingénuo ou anda muito distraído, sobretudo na última semana. Nem na política, como em lado nenhum, público ou privado, teremos, em número minimamente suficiente, pessoas dignas (essas é que o são, não os cargos) e competentes, atraídas pela função, sem o correspondente atrativo remuneratório. 

Se um grupo foi tão eficaz na discussão mediática sobre panos à janela, onde andaram as vozes, aliás maioritárias – se não o fossem, não tinha sido aprovado o que foi contestado por aqueles –, a defender o fim do corte de 5%? Admito que a distração tenha sido minha. 

A ação política é sinónima de tomar escolhas. Escolhas essas que são orientadas por um desígnio, uma ideologia ou até mesmo só uma ideia. Num mundo utópico, seria possível escolher tudo, agradando gregos e troianos. No mundo em que vivemos isso nunca será possível. É a vida. Podemos discordar da priorização dada a uma determinada escolha sobre outra, mas isso não torna a medida escolhida errada – poderá ser errada, mas só e apenas, a prioridade dada a essa escolha, mas não a medida escolhida. 

Uma maioria parlamentar escolheu agora interromper o corte do vencimento dos titulares de cargos políticos.  

Uma minoria parlamentar discordou dessa escolha. 

Ninguém foi capaz de discutir publicamente com a mesma atenção mediática daqueles panos à janela a escolha tomada. 

Se, como dizia, na teoria, se pode considerar que os vencimentos dos titulares de cargos políticos deveriam ser relevantemente aumentados, a prática demonstra serem demasiadamente altos para parte relevante daqueles que ocupam esses cargos. É o que demonstra a sua absoluta incapacidade de justificar qualquer (obviamente necessário) aumento. E quando não se consegue dizer o óbvio…

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