Começámos com uma pandemia. Em cima disto, esquecemo-nos de contratar professores. Por fim, até a taxa de abandono escolar precoce sofreu uma inversão de tendência. Mas nada disto é digno de registo nos debates.
No total dos 28 debates que tivemos para discutir o futuro do país, menos de 3% do tempo foi dedicado à educação. É manifestamente insuficiente tendo em conta que este foi, provavelmente, o maior fracasso coletivo do nosso país nos últimos anos.
O meu maior medo é que, se continuarmos a este ritmo, esta venha a ser a pior década do nosso sistema de ensino desde que somos uma democracia. Começámos os anos 20 deste século com uma pandemia e escolas fechadas, fingindo que isso não tinha impacto nas crianças. Em cima disto, esquecemo-nos de contratar professores, e achámos que este era um problema que não era preciso resolver. Agora, vieram os resultados dos exames internacionais, confirmou-se uma catástrofe, mas claramente estamos convencidos que não temos de lidar com ela. Por fim, até a taxa de abandono escolar precoce sofreu uma inversão de tendência. Mas nada disto é digno de registo nos debates.
Admito que a minha inabilidade para conseguir convencer as pessoas a lutar para resolver todos estes problemas me dá um enorme peso na consciência. Aliás, só mesmo este pesado sentimento de culpa é que pode justificar a sevícia a que me sujeitei neste acto eleitoral: decidi ver as 14 horas e 45 minutos de debates frente-a-frente e cronometrar religiosamente cada momento em que se falava de educação. Mas estava claramente a ser optimista, e tive de mudar o plano ao fim dos primeiros cinco debates, quando percebi que não se ia falar de todo no assunto. Este imprevisto, que era previsível, obrigou-me a afinar o meu método de recolha de dados, tornando-o mais generoso, e passei a incluir cada segundo em que uma frase curta ou palavra isolada do campo lexical da educação era proferida. Por exemplo, passei a contar para o meu cronómetro o momento em que, aos quinze minutos e quarenta segundos do seu debate com o líder do PS, a propósito do peso dos impostos, Rui Rocha diz: «aliviar as famílias para não terem de escolher se cortam na educação dos filhos, na saúde ou na alimentação». Tenho presente que muita gente razoável consideraria que uma frase destas, dita assim no meio de uma discussão sobre carga fiscal, dificilmente se qualifica parte de um debate sobre educação.
Graças à minha enorme generosidade metodológica, os primeiros cinco debates deram-nos, no total, uns intensos 12 segundos a "falar de educação". Ou, melhor dito, uns bons 12 segundos em que frases isoladas ou palavras relacionadas com educação foram ditas. Na verdade, foi preciso esperar até ao oitavo debate para se conseguir ouvir alguém articular uma ideia sobre educação vagamente digna desse nome. A coisa foi andando, os debates foram passando, vimos uma ou duas discussões tangenciais sobre professores, cresces gratuitas, e até uma amarguíssima e sinistra discussão sobre a escola dos filhos de um deputado tivemos.
Ontem à noite, chegado o derradeiro debate entre os dois candidatos a primeiro-ministro, e já com esta crónica pronta "para ir para a gráfica", sou confrontado com uns estonteantes quase 9 minutos de um debate sobre educação.
Estamos salvos, pensei eu: finalmente falamos do futuro das crianças e do nosso país. Quase em júbilo, cheguei a ponderar não entregar este artigo porque, afinal de contas, esta gente falou de educação. Mas rapidamente caí em mim, ao reparar que a discussão sobre educação acabou de novo a olhar mais para o passado do que para o futuro. É degradante que, quando finalmente se fala de educação num debate, se acabe a matar a discussão sobre o futuro dos nossos jovens e crianças para falar de Passos Coelho e Sócrates.
Pior. Ao todo, houve pelo menos sete debates em que não se disse uma única palavra sobre educação. Tudo somado e dividido foram 23 minutos e 37 segundos que, ao longo de 14 horas e 45 minutos de debates, tiveram uma vaga conexão sobre o assunto. Ou seja, menos de 3% do tempo foi dedicado ao futuro que temos roubado aos nossos alunos. Ao fim de 5 anos letivos com pandemia, e perante a enorme falta de professores até 2030 que ainda não conseguimos resolver, como é que podemos aceitar isto?
Também não vou na ladainha de que a maioria dos debates tinha apenas 30 minutos e que isso não dá para discutir todos os assuntos. A política é mesmo isso, fazer escolhas com recursos escassos, e custos de oportunidade em decidir dar prioridade a um problema em vez de outro. Se os políticos e os comentadores só têm tempo para falar de educação quando o debate dura mais do que uma hora, então estão a assumir que o tema não tem importância nem precedência em relação aos outros assuntos, certamente mais importantes, como lobbying que se falou em quase todos os debates.
Aliás, a prova de que é possível dar prioridade à educação está bem visível em alguns dos programas eleitorais. Por exemplo Pedro Nuno Santos decidiu, finalmente, pôr o PS a comprometer-se a dar tutorias (vulgo "explicações") para os alunos mais pobres nas escolas públicas. Ou então, melhor ainda fez a AD, ao abrir o primeiro capítulo do seu programa eleitoral precisamente a falar de educação. Se é possível dar esse destaque ao futuro, porque é que continuamos a cometer os erros do passado e deixamos passar mais uma eleição sem falar de educação?
O primeiro-ministro deixou os alunos para trás e concentrou-se em ações policiais que perseguem imigrantes. Não só se esquece das crianças, como falhou uma das lições básicas do Natal: Jesus nasceu pobre, cresceu como refugiado, e morreu condenado por um crime que não cometeu.
O problema é comum ao de tantas outras crianças que cresceram durante o ocaso do “sonho americano” e que também se nota na Europa: o fim da esperança em ter uma vida melhor que a dos seus pais.
No início deste ano letivo, quantas oportunidades para uma vida melhor ficaram por dar? Se quer mesmo marcar uma vida melhor para o seu bebé invista cedo na sua educação: e não se esqueça que a melhor creche para os seus filhos é fazer com que haja creches para todos.
As escolas fecham demasiado tempo no verão e prejudicam as crianças, sobretudo as mais pequenas e as mais pobres. Não queremos ter esta conversa porque temos dificuldade em calçar os sapatos (ou melhor: os chinelos) dos outros.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
A escola é um espaço seguro, natural e cientificamente fundamentado para um diálogo sobre a sexualidade, a par de outros temas. E isto é especialmente essencial para milhares de jovens, para quem a escola é o sítio onde encontram a única oportunidade para abordarem múltiplos temas de forma construtiva.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.