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Miguel Herdade
Miguel Herdade Gestor do setor social
19 de março de 2024 às 07:00

Imposto Adicional Vitalício Especial (IAVE)

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Edição de 5 a 11 de agosto

Este imposto, que acresce ao IRS, é cobrado a todos os contribuintes que tenham completado 18 anos a partir de 2020. Tem taxas mais altas para quem nasceu em famílias com menores rendimentos.

No programa de governo, estipulava-se que, a partir de 2020, todas as crianças passariam a pagar um imposto adicional sobre os rendimentos até ao fim da sua vida. À data, este novo imposto é progressivamente superior quanto mais nova for a criança, ou seja, quem tiver nascido em 2020 paga uma taxa superior às nascidas em 2010, e assim sucessivamente, como diria João César Monteiro.

Este tributo tem o nome de "Imposto Adicional Vitalício Especial - IAVE" e será cobrado como suplemento à taxa de IRS em vigor, não tendo limiar de isenção para rendimentos baixos. Aliás, na prática, o IAVE funciona como uma espécie de imposto sucessório, simultaneamente regressivo e hereditário, pois a taxa é variável em função dos rendimentos dos pais. Assim, um contribuinte com progenitores desempregados ou que recebam o ordenado mínimo paga uma taxa significativamente superior a quem nasça numa família com rendimentos mais altos.

Apesar dos alertas do Tribunal de Contas, quase ninguém reparou neste tributo que foi introduzido tacitamente pela mão do Partido Socialista, com a anuência do PSD de Rui Rio, do Presidente da República, do Tribunal Constitucional e chegou mesmo a ser sufragado nas eleições de 2022, recebendo assim o beneplácito supremo do povo português.

Concorda com este imposto?

Ainda bem que não. Na verdade, o IAVE não existe no nosso sistema fiscal, ainda que ele seja cobrado na prática: quem o paga são todas as crianças que andaram na escola durante a pandemia e que agora não têm professores.

O problema põe-se, essencialmente, porque cada ano em que andamos na escola corresponde a um aumento dos nossos ordenados deaproximadamente 8%. Por isso, o tempo que passamos fora da escola, como aconteceu durante a pandemia, ou cada dia em que um aluno não tem aulas porque não tem um professor, tem um impacto directo nos nossos salários em adulto. Quando diminuímos o tempo que os nossos alunos têm de aulas estamos, efetivamente, a cortar os seus rendimentos futuros, e a gerar uma diminuição do PIB acumulado que, para Portugal, a OCDE estima estar na ordem de muitos milhares de milhões de euros.

A ideia deste imposto para a vidafoi engendrada pelo famoso economista Eric Hanushek da Universidade de Stanford. Eu sei que, por esta altura, já ninguém quer ouvir falar da pandemia, e muito menos que a falta de professores pode gerar crianças mais pobres. Mas é por isso mesmo que esta visualização do estado da educação como um imposto a fundo perdido é útil, tornando assim tangível a dimensão do dano. Para os Estados Unidos, o autor calculava que este imposto adicional para a vida ronda os 6%. A evidência dos diversos países, incluindo Portugal, é que os alunos mais pobres sofreram uma perda de aprendizagens maior durante a pandemia, e também têm uma maior probabilidade desofrer mais com a falta de professores. Por isso, é também de esperar que os alunos nascidos em agregados com menos rendimentos e baixa escolaridade dos pais tenham também uma penalização salarial desproporcionalmente superior.

Não se pense que este é um problema do passado: o que não foi aprendido durante a pandemia deixa uma espécie de "ferida aberta" que, se não for tratada prontamente, não só se vai agravando com o passar do tempo, como deixa uma "profunda cicatriz" nos conhecimentos que dificulta a apreensão de novas matérias em idades mais velhas. Note-se que a investigação de James Heckman, Nobel da Economia, sugere que o investimento nos primeiros anos de vida tem um retorno maior do que numa idade mais avançada, pelo que será de esperar que os alunos mais novos possam sofrer um dano maior. Aliás, em Portugal,os bebés nascidos durante a pandemia apresentam atrasos no desenvolvimento da linguagem. Além disso, a falta de professores é um desafio urgentíssimo que vai marcar esta geração pelo menos até 2030.

No meio disto tudo, a boa notícia é que o programa eleitoral da AD toma este problema como uma prioridade absoluta, sendo o primeiro capítulo do programa precisamente dedicado à educação. Aliás, a parte da educação tem uma enorme qualidade e as medidas certas com base na evidência científica disponível. De resto, desconfio ter o forte cunho de Alexandre Homem Cristo, já eleito deputado independente, em quem deposito enormes esperanças para resolver estes problemas. Cá estarei para o apoiar e escrutinar em igual medida.

Ainda no programa da AD destaco, por exemplo, o reforço do financiamento das escolas em contextos socioeconómicos mais desafiantes e a implementação de um sistema de tutorias (ou "explicações") nas escolas públicas. Aliás, esta foi uma medida que os governos do PS insistiram em não aplicar, em claro contraciclo com a melhor evidência disponível. Ironicamente, ou não, o programa do PS de Pedro Nuno Santos também inclui estas tutorias, o que deduzo ser um sinal muito positivo de rotura com o péssimo serviço que o governo anterior prestou à educação.

Com tanta incerteza sobre a governação, espero que este tema possa ser uma ponte para um compromisso do regime com o futuro: ou queremos mesmo cobrar mais esteimposto adicional vitalício especial?

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