Sábado – Pense por si

Miguel Costa Matos
Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
20 de maio de 2025 às 07:00

Virar o jogo da defesa para o ataque

Não são tempos fáceis para se ser de esquerda. Também é verdade que, para os eleitores que querem saber disso, com o caso Spinumviva, Montenegro deu ao CHEGA amplos argumentos para dizer que o sistema estava podre. O PS, principal partido do poder nos últimos 30 anos, não conseguiu capitalizar para si esse assunto. 

Os resultados eleitorais de 18 de maio foram um terramoto político. A quente, podemos e devemos ficar tristes, indignados e mobilizados para a resistência, como lhe chamava há um ano. Todavia, se queremos perceber o que se passou e pensar como sair daqui, precisamos de uma reflexão séria a sangue-frio. 

O PS perdeu 5 pontos percentuais e a restante esquerda 2, enquanto a AD cresceu 3 pontos percentuais e o CHEGA 4,5. Depois de distribuir largamente o excedente que herdou, Montenegro pouco ganhou e continua a apresentar-se sem maioria no Parlamento e com uma das mais baixas votações para um Governo, só "superado" por Cavaco Silva em 1985 e pela "derrota" de António Costa em 2015. O grande vencedor da noite é, pois, mais uma vez, André Ventura. Será para aí que foram parar os votos da Esquerda ou, pelo menos, os abstencionistas que foram votar, em substituição dos progressistas que ficaram em casa. 

É certo que o derrape à direita é um movimento da cultura política ocidental, marcado pelo individualismo, a polarização e a reação "anti-woke". Não são tempos fáceis para se ser de esquerda. Também é verdade que, para os eleitores que querem saber disso, com o caso Spinumviva, Montenegro deu ao CHEGA amplos argumentos para dizer que o sistema estava podre. O PS, principal partido do poder nos últimos 30 anos, não conseguiu capitalizar para si esse assunto. 

Mas não podemos colocar as responsabilidades todas do fracasso do PS nos outros. Mais do que o debate sobre as causas imediatas desta votação – nomeadamente se fomos penalizados por termos reprovado a moção de confiança ou por termos suportado o Governo – deve-nos interessar as razões estruturais por detrás deste declínio. 

Nos últimos anos, o PS concentrou a sua demografia eleitoral nas mulheres, nos pensionistas e na maioria com menos qualificações. Este afunilamento tornou-se insustentável à medida que se esgotava o bónus de gratidão pelo fim da austeridade e que novas gerações chegavam à idade da reforma. Tanto António Costa como Pedro Nuno Santos tentaram alargar esta base eleitoral para a classe média e os jovens. Em ambos os casos, não tiveram sucesso. 

Não se pode dizer que tenha sido por falta de políticas dirigidas a estes públicos. Desde manuais e creches gratuitas à devolução das propinas, o PS governou para estes segmentos que foram também priorizados neste programa eleitoral. A verdade é que essa ideia não passou e o PS ficou a falar sozinho. Há um problema de mensagem e há um problema de infraestrutura de comunicação – e não estou só a falar de redes sociais. O segundo devia ter sido alvo de investimento durante o período da governação e agora demorará anos a recuperar. 

Mas o desafio maior está mesmo no campo das ideias. Depois de termos construído a democracia e o Estado Social, falta à Esquerda algo mais do a defesa desse legado. Andamos anos a repetir um discurso de "bicho-papão" do ataque ao SNS, às pensões e à igualdade. Se houve altura em que as pessoas tiveram medo (e há bons motivos para ter), parece que já não o têm.

No reverso da medalha, passamos pouco tempo a cultivar a esperança num projeto que precisa de mais sonho e ambição ou a contrapor as narrativas falaciosas da direita com factos e histórias que mobilizem não só a razão como também o coração. Até era isto que Pedro Nuno Santos fazia quando falava de "mérito" ou "empatia", mas o seu tempo foi muito curto e injusto para tão longa missão. 

É provável que a eventual "corrida" à liderança do PS ande longe disto. Uns focar-se-ão em personalidades, outros na questão da governabilidade, e ainda outros no "esquerdómetro". É da natureza dos ciclos mediáticos e, em verdade, podem ser pontos importantes para o futuro imediato de um partido que precisa de se reconstruir e voltar a ser atrativo para o português médio.

Não podemos, porém, permitir que nos quedemos pelo curto-prazo e nos esqueçamos de preparar o futuro. Afinal, isto não é só um slogan de campanha – o futuro é mesmo já. 

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