Com as tarifas de Trump a colocarem a economia mundial em risco, é tanto mais importante a escolha entre a motoserra ou a mãozinha que ajuda um povo a levantar-se.
Os políticos fazem campanhas em poesia e governam em prosa. A célebre frase de Mário Cuomo recorda-nos que, como tenho vindo a alertar, as muitas e generosas promessas eleitorais desta época rapidamente se podem dissolver em cautelas e frustrações.
Mais de uma década depois de nos termos curado do mito da austeridade virtuosa, alguns pretendem tornar o seu regresso mais poético e assumido. Assim é com o "Department of Government Efficiency" de Musk ou com a motoserra de Javier Milei. Em ambos os casos, o corte não é apenas metáfora: é programa. O que parecia uma excentricidade sul- e norte-americana foi rapidamente adotado como fetiche pela Iniciativa Liberal em Portugal. Ainda que camuflada durante a campanha, a IL diz-nos, com a frontalidade de quem não teme as palavras, que quer cortar cinco mil milhões de euros de despesa pública, sem explicar onde nem como.
Porém, o mais perigoso nas ideias radicais nem sempre é a gritaria. É quando passam despercebidas. Quando chegam de mansinho, vestidas de respeitabilidade, escondidas entre a espuma dos dias e camufladas por outros compromissos bem mais dispendiosos. A "motoserra" pode ter ficado fora do cartaz eleitoral da AD, mas o som já se ouve ao longe. O congelamento do financiamento às federações desportivas, os cortes na ciência, a devolução das propinas empurrada para a gaveta, a ameaça de ir "além de Bruxelas" na contenção da despesa — um a um, a AD dá sinais do futuro que realmente tem guardado para o país. Não por falta de dinheiro — porque o dinheiro para baixar o IRC lá continua – mas por escolha ideológica. Quando dizem que querem um Estado mais leve, convém perguntar: leve para quem?
Se as suas infundadas "previsões" macroeconómicas criavam o mistério do que fariam se a sua "ambição" não se realizasse, as notícias dos últimos dias deixam poucas dúvidas. Afinal, a AD não só propôs como "insistiu" numa coligação pré-eleitoral com a IL. Se já começaram a cortar nos apoios aos jovens, à ciência e ao desporto, o que virá a seguir, a pretexto de cedências para o novo parceiro de coligação? A escola pública? O SNS? As pensões?
Com as tarifas de Trump a colocarem a economia mundial em risco, é tanto mais importante a escolha entre a motoserra ou a mãozinha que ajuda um povo a levantar-se. Com um hipotético Governo AD-IL, podemos antecipar que a história repetir-se-ia. Mascarados de responsabilidade, o preço da crise seria pago pelos mesmos de sempre: os mais novos, os que mais precisam, os que sonham com um futuro melhor.
Talvez seja por isso que Montenegro tenta tanto fingir que tudo está bem com o país. Encarar a realidade levar-nos-ia a discutir algo ainda mais difícil para si do que a Spinumviva, pondo em perigo a famigerada "reconciliação" com os pensionistas. Talvez seja também essa a razão para um Governo com apenas um ano de mandato passar a campanha apenas a pedir estabilidade, sem que diga para quê, deixando à esquerda o debate de ideias do que faríamos com ela e por ela.
Não nos enganemos. A motoserra ainda não se ouve. Mas vem de mansinho. E é agora que se trava — antes que seja tarde.
Álvaro Almeida, diretor executivo do SNS, terá dito, numa reunião com administradores hospitalares, que mesmo atrasando consultas e cirurgias, a ordem era para cortar.
O problema começa logo no cenário macroeconómico que o Governo traça. Desde o crescimento do PIB ao défice, não é só o Governo da AD que desmente o otimista programa eleitoral da AD.
Até pode ser bom obrigar os políticos a fazerem reformas, ainda para mais com a instabilidade política em que vivemos. E as ideias vêm lá de fora, e como o que vem lá de fora costuma ter muita consideração, pode ser que tenha também muita razão.
Ventura pode ter tido a sua imagem em cartazes pelo país fora que não engana os eleitores. Os portugueses demonstraram distinguir bem os atos eleitorais.
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O espaço lusófono não se pode resignar a ver uma das suas democracias ser corroída perante a total desatenção da opinião pública e inação da classe política.
É muito evidente que hoje, em 2025, há mais terraplanistas, sim, pessoas que acreditam que a Terra é plana e não redonda, do que em 1925, por exemplo, ou bem lá para trás. O que os terraplanistas estão a fazer é basicamente dizer: eu não concordo com o facto de a terra ser redonda.