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"Mentiste sobre a minha comida, Bruno," disse Carla, mais triste do que zangada. "Sabes que ponho o coração em tudo o que faço na padaria."
No Julgado de Paz de Óbidos, numa manhã de dezembro que fazia a vila medieval parecer saída de um postal de Natal, a mediadora Dr.ª Mariana Cunha preparava-se para um caso que prometia ser mais complexo do que aparentava.
"Processo nº 156/2024," anunciou a secretária. "Requerente: Padaria Central, Lda. Requerido: Bruno Mendes. Objeto: Alegada difamação e prejuízos comerciais."
Do lado esquerdo, Carla Santos, proprietária da Padaria Central há quinze anos, mexia nervosamente num lenço. Era uma mulher de quarenta e dois anos, cabelo loiro preso numa trança, ainda com farinha - tinha vindo diretamente do trabalho. Do lado direito, Bruno Mendes, um homem de quarenta e cinco anos com barba cuidada e ar de quem passara demasiadas noites em claro, folheava anotações num caderno gasto.
"Sra. Carla," começou a mediadora, "pode explicar-nos a natureza da queixa?"
Carla respirou fundo, visivelmente nervosa.
"Dra. Mariana, o Sr. Bruno tem estado a espalhar mentiras sobre a minha padaria há seis meses. Diz aos clientes que uso ingredientes de má qualidade, que o pão não é fresco, que até tenho pragas na cozinha. Já perdi metade da clientela!"
A mediadora virou-se para Bruno.
"Sr. Bruno, confirma ter feito estas alegações?"
Bruno levantou-se, claramente agitado.
"Confirmo que fiz comentários sobre a qualidade da padaria, mas não foram mentiras! E tenho as minhas razões!"
"Que razões?" inquiriu a Dr.ª Mariana.
Bruno hesitou, olhando para Carla com uma expressão entre zanga e mágoa.
"A Carla conhece-me há vinte anos. Sabe perfeitamente quais são as minhas razões."
Carla ficou vermelha.
"Isso não tem nada a ver com a padaria!"
"Tem tudo a ver!" explodiu Bruno. "Tudo!"
A mediadora ergueu a mão, pedindo calma.
"Por favor, expliquem-me o contexto. Conhecem-se há muito tempo?"
Carla e Bruno entreolharam-se, o ar carregado de tensão.
"Conhecemo-nos desde os vinte anos," disse Carla finalmente. "Namorámos durante cinco anos."
"E íamos casar-nos," acrescentou Bruno amargamente. "Até ela me deixar duas semanas antes do casamento."
O silêncio na sala era palpável. A Dr.ª Mariana começava a compreender a situação.
"Isso foi há quantos anos?"
"Dezassete," responderam os dois simultaneamente.
"E desde então nunca mais se falaram?"
"Falávamos," disse Carla defensivamente. "Óbidos é pequena, é impossível evitar completamente alguém. Mas... mantínhamos distância."
Bruno riu amargamente.
"Distância. Sim. Especialmente quando ela se casou com o meu melhor amigo seis meses depois."
Carla baixou os olhos, claramente desconfortável.
"Bruno, isso foi há tanto tempo..."
"Para ti, talvez. Para mim, não."
A Dr.ª Mariana observou os dois cuidadosamente.
"Sr. Bruno, os comentários sobre a padaria começaram há seis meses. Aconteceu alguma coisa específica nessa altura?"
Bruno ficou em silêncio por um longo momento.
"O marido dela morreu há sete meses. Cancro."
Carla começou a chorar silenciosamente.
"E eu... eu achei que finalmente podia... que talvez ela quisesse conversar, fazer as pazes com o passado. Fui à padaria com flores, para dar os pêsames."
"E o que aconteceu?" perguntou a mediadora gentilmente.
"Ela nem me deixou falar," disse Bruno, a voz embargada. "Disse-me para sair, que não queria a minha pena, que não tinha nada para me dizer."
Carla olhou para ele através das lágrimas.
"Bruno, eu estava... estava devastada. Acabara de perder o meu marido. Não conseguia lidar com mais nada."
"Eu sei," disse ele suavemente. "Eu sei que estavas a sofrer. Mas magoou-me... mais do que esperava."
A Dr.ª Mariana interveio.
"E foi então que começaram os comentários sobre a padaria?"
Bruno acenou envergonhado.
"Comecei por desabafar com alguns amigos. Disse que não percebia como uma pessoa podia ser tão fria. Depois... não sei, as palavras foram crescendo, tornando-se piores. Disse coisas que não devia ter dito."
"Mentiste sobre a minha comida, Bruno," disse Carla, mais triste do que zangada. "Sabes que ponho o coração em tudo o que faço na padaria."
"Eu sei," admitiu ele. "O teu pão sempre foi o melhor de Óbidos. Sempre."
A mediadora observou a dinâmica entre os dois.
"Parece-me que estamos perante uma questão emocional mais do que comercial. Sr. Bruno, está disposto a retratar publicamente os comentários que fez?"
"Estou. Mais do que disposto."
"E Sra. Carla, estaria disposta a não avançar com o pedido de indemnização se o Sr. Bruno fizesse uma retratação pública?"
Carla hesitou.
"Eu... preciso que ele pare de espalhar mentiras sobre o meu negócio. É tudo o que tenho."
"Carla," disse Bruno suavemente, "posso fazer mais do que uma retratação. Posso ajudar-te a recuperar os clientes. Sei que tenho jeito para marketing - podia ajudar-te a criar uma página online, a divulgar a padaria..."
Carla olhou para ele com surpresa.
"Porque farias isso?"
"Porque me comportei como um puto de dezassete anos em vez de um homem de quarenta e cinco. Porque magoar-te não me fez sentir melhor com o meu próprio coração partido. E porque... porque depois de todos estes anos, ainda me importo contigo."
As lágrimas de Carla intensificaram-se.
"Bruno, eu... quando o Ricardo morreu, lembrei-me de nós. Lembrei-me de como éramos felizes. E quando apareceste na padaria com flores, entrei em pânico. Não porque não quisesse falar contigo, mas porque... porque senti algo que não devia sentir tão cedo depois da morte do meu marido."
A Dr.ª Mariana sorriu discretamente.
"Parecem ter muito para conversar. Que tal resolvermos primeiro a questão legal e depois... deixarmos que conversem com calma?"
Bruno acenou.
"Comprometo-me a fazer uma retratação pública no jornal local e no Facebook da vila. E a ajudar a Carla a reconstruir a reputação da padaria."
"Aceito," disse Carla. "E... Bruno?"
"Sim?"
"Podes vir tomar café à padaria amanhã? Para conversarmos... como adultos desta vez?"
Bruno sorriu pela primeira vez durante toda a audiência.
"Posso. E... posso trazer flores outra vez?"
"Podes," riu Carla entre lágrimas. "Mas desta vez deixa-me falar."
Seis meses depois, a Padaria Central não só tinha recuperado todos os clientes como tinha lista de espera para os seus produtos. Bruno tinha-se tornado o responsável pelo marketing online e pelas entregas ao domicílio.
E todas as manhãs, antes da padaria abrir, podia-se vê-los através da montra: ela a amassar o pão, ele a preparar o café, finalmente conversando como os adultos que tinham aprendido a ser - e talvez, só talvez, redescobrindo o amor que nunca tinha realmente desaparecido, apenas se tinha escondido atrás de orgulho ferido e coração magoado.
A chave ainda funcionava perfeitamente. Entraram na cozinha onde tinham tomado milhares de pequenos-almoços, onde tinham discutido problemas dos filhos, onde tinham planeado férias que já pareciam de outras vidas.
"Às vezes precisamos de lembrar que há diferentes formas de medir o tempo. Há o tempo dos adultos, cronometrado e urgente. E há o tempo das crianças, que se mede em sorrisos e abraços", explicou a juíza Dr.ª Isabel Moreira.
O juiz ouviu com atenção, mas a cadeira traía-o: inclinava-se sempre ligeiramente para a direita, como se forçasse todas as decisões para um dos lados.
Na prática, discutia-se uma máquina de lavar roupa. A filha, Leonor, seis anos, vivia com a mãe, via o pai de quinze em quinze dias e às quartas-feiras à tarde. O pai pedia alteração ao regime para incluir uma noite adicional por semana. A mãe aceitava a alteração, com uma condição: que a roupa voltasse lavada.
A estante continuava no apartamento que partilharam durante anos. Ela saíra há oito meses, depois de uma separação silenciosa, feita de rotinas que deixaram de se sincronizar. Ele ficara. Nenhum dos dois mencionara a estante nos dias da divisão prática. Nem na devolução das chaves. Nem na última mensagem trocada.
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