Na prática, discutia-se uma máquina de lavar roupa. A filha, Leonor, seis anos, vivia com a mãe, via o pai de quinze em quinze dias e às quartas-feiras à tarde. O pai pedia alteração ao regime para incluir uma noite adicional por semana. A mãe aceitava a alteração, com uma condição: que a roupa voltasse lavada.
O pai chegou às 13h47, demasiado cedo para quem tem uma audiência às 14h. Trazia a camisa ainda com vincos de engomar, o cabelo penteado com determinação e um dossiê azul — desses que se vendem aos molhos nos supermercados — apertado contra o peito como se guardasse uma sentença.
Era um homem de trinta e oito anos, técnico de manutenção numa empresa de ascensores. Tinha a fala direta e o olhar de quem está habituado a resolver problemas com ferramentas. Nos últimos dois anos, enfrentava o mais difícil: aprender a ser pai só três dias por semana.
A mãe chegou às 14h02, depois de estacionar a duas ruas de distância. Professora primária, trinta e cinco anos, passos rápidos e uma pasta de plástico transparente com folhas soltas, desenhos da filha e o horário da escola impresso em tamanho A3. Estava cansada, mas não derrotada — só trazia já nas costas demasiadas reuniões, demasiadas noites mal dormidas e demasiadas tentativas de explicar a uma criança que "o pai não deixou de gostar de ti".
A audiência dizia respeito à oposição a alteração do regime de visitas. Mas, na prática, discutia-se uma máquina de lavar roupa. A filha, Leonor, seis anos, vivia com a mãe, via o pai de quinze em quinze dias e às quartas-feiras à tarde. O pai pedia alteração ao regime para incluir uma noite adicional por semana. A mãe aceitava a alteração, com uma condição: que a roupa voltasse lavada.
— No último domingo, a Leonor chegou com três mudas sujas — disse a mãe. — Meias enlameadas, camisola com nódoa de gelado e calças com um buraco novo no joelho. E claro, o vestido dos bonecos da Patrulha Pata todo amachucado. Como é que explico a uma criança que não pode usá-lo porque o pai não o lavou?
O juiz ouviu, meneando a cabeça com leveza.
— E o senhor pai?
— Não tenho máquina de lavar. A da casa nova avariou e ainda não consegui comprar outra. Tenho levado a roupa à lavandaria self-service, mas nem sempre consigo ir logo ao domingo. Há semanas em que não dá. Trabalho por turnos, Meritíssimo.
A técnica da Segurança Social confirmou o essencial: a Leonor mostrava-se bem ajustada à alternância de casas, mas reagia com irritação quando tinha de vestir "roupas da mãe" em casa do pai ou vice-versa. Dizia que a roupa "cheirava diferente", e insistia em usar sempre "a mesma coisa" em ambas as casas, como se isso fosse a única coisa previsível naquele vaivém emocional.
— Disse-me uma vez: ‘Não gosto quando a camisola cheira a mãe e depois a pai e depois a mãe outra vez’. Como se os cheiros a confundissem mais do que os horários — acrescentou a técnica.
A advogada da mãe insistiu:
— A minha constituinte não está a ser intransigente. Só quer que a criança regresse com a roupa lavada. Ou que cada casa tenha o seu enxoval. É uma questão de organização, não de hostilidade.
O juiz apoiou os cotovelos na mesa, olhou demoradamente para ambos.
— Os senhores não precisam de um novo regime. Precisam de um protocolo de lavandaria.
Pediu uma pausa. Quinze minutos. Ninguém saiu da sala. A mãe folheou os desenhos da filha. O pai passou o polegar pelas folhas do dossiê azul. Depois falaram, em tom neutro.
— Se calhar fazia sentido cada um ter as suas roupas — disse ele.
— Desde que ela possa escolher — respondeu ela. — Não quero que se sinta uniformizada.
— Eu compro o vestido dos bonecos. E duas camisolas iguais às que ela mais gosta.
— Eu compro os mesmos pijamas. E deixo o peluche cor-de-rosa lá em casa. Ela dorme melhor com ele.
A audiência recomeçou com um sorriso discreto do juiz. Regime mantido, com nova pernoita semanal e cláusula expressa sobre enxoval duplo. Cada progenitor comprometia-se a manter na sua casa o vestuário essencial da menor, sem exigir devolução imediata nem condicionar a sua lavagem ao outro.
Antes de sair, o pai virou-se para o juiz:
— Vou comprar uma máquina nova.
— Boa ideia — respondeu o juiz. — Mas garanta que o manual é claro. Nem todos vêm com instruções para o que nos suja mais: as zangas.
Saíram do tribunal lado a lado. Leonor esperava à porta da escola, com um casaco verde-claro e dois totós novos. Quando os viu juntos, disse apenas:
José olhava para o álbum com expressão nostálgica. "A Patrícia perguntou-me no outro dia se não me arrependo de ter estragado a família. E eu não soube o que responder."
"Representa tudo o que não sei como dividir. As memórias, os rituais diários, as pequenas tradições. Posso dividir móveis e brinquedos, mas como divido os momentos em que penteava o cabelo da Ema todos os dias enquanto ela se olhava no espelho?"
"O cachecol é uma herança de família," contrapôs a advogada de Beatriz. "Quando o casamento terminou, os objetos sentimentais da família Sousa deveriam ter regressado à família."
A chave ainda funcionava perfeitamente. Entraram na cozinha onde tinham tomado milhares de pequenos-almoços, onde tinham discutido problemas dos filhos, onde tinham planeado férias que já pareciam de outras vidas.
"Às vezes precisamos de lembrar que há diferentes formas de medir o tempo. Há o tempo dos adultos, cronometrado e urgente. E há o tempo das crianças, que se mede em sorrisos e abraços", explicou a juíza Dr.ª Isabel Moreira.
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