Sábado – Pense por si

Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
29 de março de 2024 às 10:00

Entre quatro paredes: a violência sexual nas relações íntimas

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Edição de 5 a 11 de agosto

Como a manutenção de relações sexuais é uma parte central de muitos relacionamentos amorosos, torna-se essencial definir a linha entre o aceitável e o inaceitável, entre o consentimento e o abuso.

É natural que, quando se fala em situações de violação sexual, pensemos imediatamente numa vítima e num agressor que não se conhecem e numa situação isolada e não repetida. Por outro lado, é possível ouvirmos, quando se mencionam situações de violência sexual em relações íntimas, expressões como "se eles já estiveram envolvidos antes, então é menos grave" ou "se estão casados, não podemos falar de violência sexual". Mas a verdade é que, em relações íntimas onde já existem outros tipos de violência, a violência sexual é mais frequente do que muitos de nós espera e os efeitos deste tipo de violência são mais devastadores e duradouros.

Um dos grandes desafios associados à violência sexual nas relações íntimas passa, surpreendentemente, pela sua identificação, seja pela sociedade, familiares envolvidos ou mesmo pelas próprias vítimas. Como a manutenção de relações sexuais é uma parte central de muitos relacionamentos amorosos, torna-se essencial definir a linha entre o aceitável e o inaceitável, entre o consentimento e o abuso.

Importa, portanto, deixar claro que a violência sexual em contexto de relações de intimidade pode adotar diversas formas: pode passar pelo uso de violência durante atos sexuais inicialmente consentidos; pode passar pela insistência do/a parceiro/a em continuar o envolvimento sexual, mesmo após a vítima expressar dor ou desconforto; pode significar sexo oral, anal ou vaginal sem consentimento; toques sexualizados forçados; forçar o/a parceiro/a a ter relações sexuais com terceiros ou com animais; forçar ou coagir o/a parceiro/a a ver pornografia; filmar atos sexuais sem o consentimento do/a parceiro/a; humilhar ou denegrir sexualmente a vítima; coagir a vítima a engravidar ou expô-la a doenças sexualmente transmissíveis, entre outras situações.

No que diz respeito às estratégias utilizadas pelos/as agressores/as, estas podem ser físicas (agarrar, prender, restringir o movimento) ou verbais (chantagens e ameaças à vítima ou a terceiros, diretas ou indiretas).

Não há, portanto, uma definição clara de violência sexual nas relações íntimas, já que temos várias definições. O que estas têm em comum, no entanto, é que a vítima sente que não tem controlo ou poder de decisão no envolvimento sexual e que o/a agressor/a recorre a este tipo de violência para obter e manter controlo sobre as vítimas. Este tipo de violência é, no fundo, uma expressão extremada de um padrão de violência pré-existente na relação, seja essa violência física, verbal ou psicológica. Por outro lado, e como já dissemos anteriormente, as suas consequências são tendencialmente mais duradouras e nocivas para a vítima.

Ao contrário de situações de violação onde a vítima e o/a agressor/a não se conhecem, a violência sexual nas relações íntimas não é, habitualmente, um ato isolado e, pelo contrário, tende a ser recorrente e, muitas vezes, normalizado ou minimizado pela vítima, que o vê como esperado ou habitual. Certamente não ajudará que familiares e instituições contribuam para esta minimização, com os argumentos de que, se o ato já foi consentido no passado, então não podemos falar de abuso no presente. Este tipo de posicionamento contribui para a confusão sentida pelas vítimas em dar nome às suas experiências e para a vergonha ou medo em procurar ajuda.

As consequências deste tipo de vivência são múltiplas e incluem efeitos físicos e psicológicos. Na esfera física, são comuns, por um lado, queixas de dores de cabeça e costas, problemas ginecológicos e a existência de doenças ou infeções sexualmente transmissíveis; já do ponto de vista psicológico, encontramos a vergonha, sentimentos de culpa (associados a pensamentos como "porque é que não fui procurar ajuda antes?" ou "eu devia querer ter relações com ele/a, não me devia sentir assim"), isolamento social, baixa autoestima, imagem corporal distorcida, sensação de falta de controlo, ansiedade, depressão, sintomas traumáticos e, no seu extremo, ideação e comportamentos suicidas.

A agravar esta avalanche de problemas, os sintomas acima referenciados podem vulnerabilizar as vítimas a agressões futuras: se estas sentem que não têm forma de se defender ou resistir à violência, se sentem que não têm ninguém que as oiça ou ajude e se sentem que o problema é delas, ao não querer um envolvimento sexual que, aos seus olhos, deveria ser "normal" ou "desejado", então deixam de procurar defender-se ou abandonar estes relacionamentos.

Muitos são os fatores que contribuem para que vítimas se mantenham em relações abusivas, pelo que a nossa resposta não deverá passar por culpabilizá-las ou ignorá-las. E é importante que tenhamos em mente que a presença de violência sexual em relações íntimas é um fator de risco ao homicídio conjugal.

Esteja atento/a aos sinais dos outros e não hesite em procurar ajuda. Quem sabe, poderá estar a salvar uma vida.

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