Literacia Financeira: Mais Camões e menos Kiyosaki
Em Portugal, enfrentamos um problema de literacia financeira. Para não começar este artigo com estatística, refiro-me primeiro à cultura de ostentação financeira (que é hodiernamente celebrada no YouTube nacional) e que normalmente leva ao endividamento.
Um projeto de resolução da Iniciativa Liberal e um post no Instagram do Bloco de Esquerda reacenderam o debate sobre a literacia financeira em Portugal. Para aqueles que se detêm da leitura no primeiro parágrafo, argumentarei a favor do aumento da literacia financeira nas escolas, mas não nos moldes em que tem sido debatida.
Em Portugal, enfrentamos um problema de literacia financeira. Para não começar este artigo com estatística, refiro-me primeiro à cultura de ostentação financeira (que é hodiernamente celebrada no YouTube nacional) e que normalmente leva ao endividamento. A aprovação financeira pelos pares é hoje mais valorizada do que a verdadeira riqueza financeira. Observo, por exemplo, várias pessoas a endividarem-se para comprar carros acima das suas possibilidades, com o objetivo de adquirir um símbolo de status e não um meio de transporte (a função pela qual primariamente se compra um carro). Quem tem um mínimo entendimento de literacia financeira sabe que isto é um erro: está a adquirir-se um passivo, com ainda mais passivo. É a receita para o desastre em qualquer orçamento individual.
Nas estatísticas, Portugal figura consistentemente nas últimas posições dos rankings europeus de conhecimentos de literacia financeira, como evidenciado pelo Eurobarómetro que coloca o nosso país em penúltimo lugar entre os membros da UE.
No post, o Bloco de Esquerda erra ao dar a entender que a literacia financeira não deveria ser discutida. Eis um exemplo de desinformação financeira: muitas das pessoas que apoiam a taxa única de IRS não compreendem como o IRS é calculado. Uma das maiores inverdades apregoadas em Portugal é afirmar que quem ganha mais de 78.834 euros paga 48% de imposto. Quase ninguém o faz, e para tal teria de ser um sujeito com 1 milhão e meio de euros de rendimento anual, o que corresponde a uma dezena de pessoas num país com mais de 10 milhões de habitantes. Além disso, cerca de 80% da população em Portugal paga uma taxa efetiva inferior a 13% (a média da taxa efetiva de IRS em Portugal).
É por isto que questiono as pessoas que se opõem a discutir literacia financeira: não seria mais fácil discutir impostos em Portugal se houvesse mais conhecimento sobre como são calculados?
No entanto, o Bloco de Esquerda tem razão num ponto. Frequentemente, os "experts" transmitem a ideia de que ser rico é uma responsabilidade individual, trazendo consigo instrumentos financeiros duvidosos para vender aos mais desinformados. Infelizmente, a Iniciativa Liberal, que conta com deputados como Carla Castro que tem lutado por melhorias na educação, convida para o parlamento YouTubers que celebram essa cultura de ostentação.
A proposta da Iniciativa Liberal é bem-vinda. Contudo, a discussão gerada extravasa a proposta. Indo de encontro a esse debate, mais simbólico, questiono se ensinar apenas literacia financeira seria a solução do problema. Desafio os proponentes da disciplina a definirem o programa e respetiva bibliografia. A título de exemplo, o livro "Pai Rico, Pai Pobre", de Robert Kiyosaki, um famoso autor de finanças pessoais que admite ter uma dívida de 1,2 mil milhões de dólares, é frequentemente criticado por promover conceitos financeiros de forma tão simplificada que podem ser potencialmente prejudiciais para leitores menos experientes. Acredito que este livro seja adequado para uma leitura recreativa, mas questiono se realmente queremos que faça parte da bibliografia do ensino obrigatório em Portugal.
Não deveria o tempo gasto a discutir literacia financeira ser dedicado a melhorar a qualidade do ensino de matemática e língua portuguesa? Atento que os alunos nacionais pioraram significativamente nos seus conhecimentos destas disciplinas, como demonstrado nos testes PISA, e esses terão a sua literacia financeira futura inevitavelmente prejudicada. Como podemos ensinar o cálculo de IRS a crianças que não dominam nem as operações matemáticas básicas nem a interpretação de texto? É essencial compreender o conceito de custo de oportunidade e priorizar as bases, português e matemática, na educação.
Por último, desafio o leitor a tentar fazer manualmente os cálculos da sua última declaração de IRS. Verá que os seus conhecimentos de matemática e português serão mais úteis do que imagina. Portanto, para melhorar a literacia financeira em Portugal o que precisamos é de mais Camões e de menos Kiyosakis.
Recomendação desta semana:
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Ouçam e sintonizem o mão visível para ouvir a discussão desta semana, que também é sobre literacia financeira.
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