Existe por vezes nesta velha Europa alguma sobranceria no modo de olhar de realidade da América latina. Mesmo em Portugal e com toda a proximidade cultural e afetiva com o Brasil, e com a enorme desproporção de dimensão e potencial entre ambos, não deixa de haver quem sinta um resíduo de superioridade intelectual face a esse país, que é também quase um continente. Uma espécie de resquício de uma famosa afirmação de De Gaulle à saída de uma visita ao Brasil: "ce pais n`est pas serieux". Vejamos quem é, de facto, sério e não sério.
Começando por aquilo que é, atualmente, mais presente. A intervenção do judiciário nos processos relacionados com corrupção. Se há coisa que tem sido séria tem sido precisamente essa. Primeiro os políticos/legisladores perceberam que havia um problema grave de corrupção. Deram a quem tem a competência de investigação os instrumentos legais e materiais para esse combate ser efetivo. E os resultados apareceram. Infelizmente percebeu-se que os problemas eram muito mais profundos e generalizados que o que se supunha. E chegavam mais alto que o que se supunha. Ainda assim o sistema funcionou e continua a funcionar. Isso, sendo mau, não deixa de ser bom.
O conforto generalizado dos participantes num sistema corrupto, em que muitos beneficiam, converteu-se num desconforto generalizado, em que o conhecimento dos factos se multiplica e em que nenhum dos beneficiários se sente já seguro. Isto é o sistema a funcionar. Isto é também democracia a funcionar. É claro que os riscos de politização da justiça são elevados. É claro também que isto pode dar lugar a uma crise tão endémica e generalizada que faça perigar o próprio sistema. Isso é tudo verdade mas há que acreditar na capacidade regeneradora da democracia. E, principalmente, há que acreditar no primado da lei. E numa justiça a funcionar. Pode não ser "barato" mas é, sem dúvida, a única solução para a saúde de um Estado e de uma nação. E essa é uma lição que o Brasil nos dá, infelizmente quase todos os dias.