Há que admitir aqui que as coisas que receamos para nós são as mesmas que geram piedade quando acontecem aos outros
Foram noites e dias em que relâmpagos iluminaram os céus, grávidas choraram na alegria do parto feliz, outras morreram, demasiadas passaram tormentos, e alguma comoção se fez sentir.
Valha-nos Santa Bárbara!
Compadeceu-se até gente oficiosa, ainda que, à míngua de tino político, coração e vergonha, mais altas esferas se escusassem a lamentos públicos.
Nas televisões foram, entretanto, passando imagens, captadas por satélites, de solos empapados por poças de sangue no Darfur sem sequer se mostrar os piores horrores dos massacres do Sudão.
As «Forças de Intervenção Rápida», de Mohamed Hamdan Dagalo, em dois anos e meio de guerra contra as «Forças Armadas do Sudão», de Abdel Fattah al-Burhan, retomaram a escalada de massacres étnicos que desde a década de 1980 dilaceram o terceiro maior estado de África e seus 45 milhões de habitantes.
É longe, contudo, e tão distante quanto Belém do Pará onde a «Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas» constata fracassos.
António Guterres – um dos mais infelizes secretários-gerais da ONU – admitiu o óbvio: «falhámos no esforço de evitar um aquecimento global superior a 1,5 graus nos próximos anos».
Da indiferença quanto ao distante estamos conversados faz muito tempo.
Dele nada conheces
Teodoro, «amanuense do Ministério do Reino», viu-se confrontado com a tentação: «No fundo da China existe um mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro.»
Eça de Queirós, em «O Mandarim» (1880), recuperava uma tradição literária e filosófica em que a mirífica China distante servia de exemplo ideal para ilustrar uma atitude de egoísmo intrínseco.
A meditação filosófica do escocês Adam Smith notara, por exemplo, que a indiferença de um europeu cultivado ante um sismo que «tragasse o grande Império da China e sua miríade de habitantes» em nada se compararia ao temor de perder um dedo mindinho.
A «Teoria dos Sentimentos Morais» – tratado exemplar do Iluminismo publicado cinco anos após o Grande Terramoto de Lisboa de 1755 – filia-se numa tradição europeia que reconhece a indiferença ante o socialmente alheio e geograficamente longínquo e, por oposição, o risco trágico de que a proximidade e intimidade possa levar a ódios e rivalidades mortais.
Aristóteles foi taxativo no tratado sobre «Retórica»: «Em geral, há que admitir aqui que as coisas que receamos para nós são as mesmas que geram piedade quando acontecem aos outros. As desgraças que nos parecem próximas são as que produzem piedade; as que se deram há dez mil anos ou hão-de acontecer no futuro, como não as podemos esperar nem recordar, ou não nos comovem em absoluto, ou não da mesma maneira.»
A morte de um homem é uma catástrofe
Dois milénios depois, psicólogos e sociólogos passaram a associar esta indiferença genérica a atrocidades à saturação provocada pelo excesso de estímulos.
«A morte de um homem é uma catástrofe. Cem mil mortes é uma estatística!» foi consideração que o jornalista alemão Kurt Tucholsky atribuiu, em 1925, a diplomata do Quai d’Orsay. A putativa frase do francês viu-se, posteriormente, consagrada como «Uma morte é uma tragédia; um milhão de morte é uma estatística», imputada a Stalin e não sem razão.
Há, pois, algo que exige maior perícia e consequência para superar e descartar o negacionismo ignaro em reacção política às controvérsias sobre a realidade das alterações climáticas, às possibilidades de sustentabilidade económica, à indiferença ante massacres.
Jorge de Sena, poeta que cada vez desmerecemos mais, expressou isso assim:
«É uma injustiça a morte. É cobardia que alguém a aceite resignadamente. O estado natural é complacência eterna, é uma traição ao medo por que somos, áquilo que nos cabe: ser o espírito sempre mais vasto do Universo infindo.»
(A Morte, O Espaço, A Eternidade in «Metamorfoses», 1961)
Raul Proença denunciaria o golpe de 28 de Maio como «um verdadeiro acto de alta traição» no panfleto «A Ditadura Militar. História e Análise de um Crime».
O livro de Cercas, "O Louco de Deus no Fim do Mundo" é a procura da justificação da ressurreição plena dos corpos entre os crentes católicos, mas assenta num equívoco.
Cenas de mau-gosto como equiparar fascismo e comunismo, sistemas ditatoriais aspirando a dominação totalitária, «não se faziam em jantares de esquerda»
Seria bom que Maria Corina – à frente de uma coligação heteróclita que tenta derrubar o regime instaurado por Nicolás Maduro, em 1999, e herdado por Nicolás Maduro em 2013 – tivesse melhor sorte do que outras premiadas com o Nobel da Paz.
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O País precisa de uma viragem de mentalidade. De um governante que olhe para a segurança com visão estratégica, pragmatismo e coragem. Que não fale apenas de leis, mas de pessoas, de sistemas, de tecnologia e de resultados.
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