Um Nobel de espinhos
Seria bom que Maria Corina – à frente de uma coligação heteróclita que tenta derrubar o regime instaurado por Nicolás Maduro, em 1999, e herdado por Nicolás Maduro em 2013 – tivesse melhor sorte do que outras premiadas com o Nobel da Paz.
O desconcerto deste mundo é tal que a atribuição do Prémio Nobel da Paz à venezuelana Maria Corina Machado é noticiada, sobretudo, como uma desfeita de Donald Trump.
A lógica do comité de Oslo é, todavia, coerente com anteriores prémios a pessoas empenhadas em combates pacíficos contra regimes ditatoriais.
Seria bom que Maria Corina – à frente de uma coligação heteróclita que tenta derrubar o regime instaurado por Nicolás Maduro, em 1999, e herdado por Nicolás Maduro em 2013 – tivesse melhor sorte do que outras premiadas com o Nobel da Paz.
Os galardões de Shirin Ehbadi?(2003) e Narges Mohammadi?(2023) pouca influência tiveram no Irão e Aung San Suu Kyi (1991) acabou maculada pela complacência para com a repressão dos Rohingya muçulmanos?do estado de Rakhine, no noroeste da Birmânia, durante a sua chefia do governo entre 2017 e 2021, antes de ser novamente presa, vítima de um golpe militar.
Também um homem de extraordinária dignidade, Liu Xiaobo, saído de mais uma pena de prisão morreria sete anos depois do Nobel de 2010, que levara Pequim a impor sanções comerciais à Noruega durante seis anos.
O incentivo, apoio e cobertura global que o Nobel da Paz propicia foi, por outro lado, altamente benéfico a lutas de emancipação nacional como ocorreu, em 1996, com Ximenes Belo e Ramos-Horta.
Os crimes de pedofilia do bispo de Díli – confirmados em 2020 pelo Vaticano – não levaram à abrogação do Nobel, galardão que não pode ser anulado por actos posteriores à atribuição do Prémio.
Infeliz, é, também, o caso do etíope Abiy Ahmed Ali, premiado em 2019, um ano após assumir a chefia do governo de Addis Ababa, pelo acordo que pôs fim à guerra iniciada em 1961 com os separatistas da província da Eritreia.
O compromisso de paz com a Eritreia – cuja independência fora reconhecida internacionalmente em 1993 – revelou-se inconclusivo, sendo crescente a tensão entre os dois estados, e Abiy Ahmed?é, ademais, acusado de crimes de guerra desde o início, em 2020, das hostilidades em larga escala contra os rebeldes da província etíope de Tigray.
O russo Andrei Sakharov (1975), o polaco Lech Walesa (1983) ou o sul-africano Desmond Tutu (1984) são, por sua vez, exemplos da relevância do Nobel da Paz para as lutas de emancipação democrática.
Um incentivo que se espera possa vir ainda a frutificar com o Prémio de 2022 que contemplou a associação russa «Memorial» e o «Centro para as Liberdades Cívicas», da Ucrânia.
Campanhas pelo desarmamento foram frequentemente distinguidas, desde 1901, como distinção conforme à letra do testamento de Alfred Nobel.
A «Nihon Hidankyo» dos sobreviventes de Hiroxima e Nagasaki foi premiada no ano passado, a norte-americana Jody Williams e a «Campanha para Erradicação das Minas Anti-Pessoais» em 1997, a «Agência Internacional de Energia Atómica» e o seu director Mohamed El Baradei pelo contributo para a utilização pacífica da indústria nuclear, em 2005, e a «Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares», sedeada em Genebra, em 2017.
Acções de mediação internacional e humanitária foram contempladas nos Prémios concedidos aos «Médicos Sem Fronteiras» (1999), à ONU e a
Kofi Annan (2001) e a Jimmy Carter (2002).
O comité norueguês alargou, mais recentemente, a noção de esforço de paz a actividades que ultrapassam a prevenção e mediação de conflitos armados, a acção humanitária ou a defesa de direitos humanos.
Os cinco membros do comité tiveram em conta precedentes de 1949, com a consagração do escocês Boyd Orr, primeiro director-geral da «Organização para a Agricultura e Alimentação», e de 1970, quando foi galardoado o pai da Revolução Verde, o norte-americano Norman Borlaug.
Nessa linha contam-se os prémios à ecologista queniana Wangari Maathai, em 2004, destacando o seu contributo ao «desenvolvimento
sustentado» e o combate à desflorestação, e, em 2006, ao «Grameen Bank» de Muhammad Yunus, actual chefe de governo interino do Banglasdesh, pela «criação de oportunidades de promoção económica e social dos pobres e das mulheres, em particular».
O sucesso na mediação de conflitos nacionais e internacionais no pós-Guerra-Fria premiou, na África do Sul, Nelson Mandela e William de Klerk (1993), na frente israelo-palestiniana, Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin (1994), na Irlanda do Norte, John Hume e David Trimble (1998), na península coreana Kim Dae Jung (2000) ou um mediador de como o finlandês Martti Ahtisaari (2008).
O galardão de Mikhail Gorbatchov em 1990 – desdenhado na União Soviética precisamente na altura em que o secretário-geral do Partido Comunista entrava na fase mais caótica da sua governação – foi reconhecimento aceite sem contestação internacional de maior.
O mesmo não pode ser dito de Barack Obama, premiado, em 2009, por mera declaração de intenções menos de um ano após ter tomado posse como presidente.
O galardão à União Europeia em 2012 deixou também muito a desejar, ainda que se possa reconhecer, genericamente, o contributo das suas instituições para a «paz e reconciliação, democracia e direito humanos na Europa».
A Donald Trump, caso único de presidente que faz campanha aberta pela atribuição de um Nobel da Paz, sobra a hipótese de, tal como Henry Kissinger e Le Duc Tho, em 1973, vir a ser premiado por alguma trégua ou promoção de processo de paz sustentado.
Para acalmar as fúrias de Trump há quem creia que o presidente talvez entenda que, afinal, Corina Machado, a venezuelana, também quer derrubar Maduro e que para o ano outro sol brilhará.
Por entre uns quantos equívocos, merecidas exaltações e magníficos exemplos a assinalar em distinções atribuídas a pessoas e organizações, Mahatma Gandhi, assassinado em 1948, é uma das omissões da lista do Nobel da Paz mais lamentada na Noruega.
Quanto a Trump, de momento, em Oslo, guarda-se silêncio.
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