Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
19 de abril de 2024 às 07:10

A indústria do fast

Capa da Sábado Edição 5 a 11 de agosto
Leia a revista
Em versão ePaper
Ler agora
Edição de 5 a 11 de agosto

As marcas devem transformar os seus modelos de negócio, diminuindo a utilização de recursos, fomentando a economia local e supervisionando as condições de trabalho dos seus trabalhadores.

A minha geração cresceu com a indústria dofast. Dofast foodaofast fashioncrescemos a ser alimentados por uma sociedade de consumo que queríamos que atendesse a todos os nossos pedidos de uma maneira rápida, fácil, acessível e sem precisar de refletir muito.

Olhando especificamente para a indústria da moda, vulgarmente chamada de fast fashion, crescemos a sonhar com as últimas tendências, muitas vezes ignorando que estas poderiam ser réplicas de má qualidade de roupas que facilmente conseguiríamos encontrar no fundo dos armários dos nossos familiares. Começámos a acumular peças de roupa e a ter a constante necessidade de nos reajustar às novas modas para nos inserirmos numa sociedade que parecia andar mais rápido que os nossos próprios pensamentos. As redes sociais e o marketing direcionado para diferentes consumidores também para aumentar essa necessidade de adquirir produtos que nem sabíamos que precisávamos, estando muitos deles apenas à distância de um clique.

Com o passar dos anos, sucessivos relatórios começaram a expor as más condições de trabalho e os impactos ambientais existentes nestas cadeias de valor obscuras, filhas da globalização. Os custos sociais e ambientais passaram a ser escrutinados. Exemplos como o desastre de Rana Plaza no Bangladesh ou o deserto de roupa do Atacama no Chile, revelaram os problemas dessa indústria desde o fabrico até ao descarte dos produtos. Muitos dos operadores têxteis vivem no limiar da pobreza, expostos a produtos tóxicos nocivos e a condições de trabalho precárias. Enquanto isso, a indústria da moda é responsável por 10% das emissões de carbono mundiais, tendo projeções para continuar a aumentar em 60% as suas emissões até 2030, segundo a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas.

Consequentemente, as multinacionais que alimentavam estes consumos foram forçadas a responder aos escândalos e reorganizar o seu posicionamento no mercado, de modo a poderem continuar a ser competitivas e perpetuarem os seus modelos de negócio assentes no imediatismo dos seus produtos. Até porque, os seus principais consumidores eram também a geração com a informação na palma das mãos e conscientes dos desafios sociais e ambientais que o novo século trazia pela frente.

Assim, surge a indústria da moda em segunda mão, aparentemente de cara lavada, com menos emissões e estendendo o ciclo de vida dos produtos. Plataformas de revenda começaram ganhar tração na sociedade ocidental com a promessa de abrandar o consumo desenfreado e fomentar um consumo mais consciente.

No entanto, as marcas de fast fashion encontraram aí uma oportunidade para criarem as suas próprias plataformas de revenda e o consumo não abrandou, pelo contrário. Estas plataformas passaram a ser uma opção para comprar produtos com a mesma rapidez que eram adquiridos anteriormente, mas a um preço mais acessível. E não havendo um aumento na qualidade, estes produtos continuam a ser facilmente descartados após pouco tempo de uso e os lucros desta indústria continuam a aumentar ano após ano.

Assim, urge a necessidade de repensarmos a toda a indústria e incorporarmos os seus impactos no preço dos produtos. Os consumidores têm o direito de ser melhor informados para que possam fazer escolhas mais conscientes e o marketing deve ser melhor regulado para que não incentive ao consumo irrefletido. As marcas devem transformar os seus modelos de negócio, diminuindo a utilização de recursos, fomentando a economia local e supervisionando as condições de trabalho dos seus trabalhadores. Só assim conseguiremos garantir justiça social e ambiental neste setor.

A roupa que vestimos é uma forma de expressão da nossa identidade mas será que queremos carregar em nós o peso de trabalhadores explorados e de um ambiente destruído?

Entre 15 e 24 de abril celebra-se a Fashion Revolution Week, um movimento que tem como principal objetivo repensar e transformar a indústria da moda.

Mais crónicas do autor
21 de fevereiro de 2025 às 21:54

A chegada do navio

Depois do verão mais quente de sempre e dos mais recentes tsunamis geopolíticos, que têm comprometido a estabilidade global e os compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, esta organização traz consigo uma vontade redobrada de fazer cumprir os compromissos portugueses quer ao nível nacional e internacional.

07 de fevereiro de 2025 às 13:32

Ciência ou ideologia?

Estas propostas foram rotuladas como "terrorismo ideológico e ambientalista", ignorando os dados científicos que as fundamentam.

24 de janeiro de 2025 às 19:34

Os donos disto tudo

Este descuido permitiu que os oligarcas da era digital minassem os sistemas económico e político, enquanto que a União Europeia tenta agora recuperar a autoridade que lhe escapou por entre os dedos.

10 de janeiro de 2025 às 21:53

Karma ou Causalidade?

As imagens apocalípticas dos incêndios parecem, assim, uma premonição do caos que se avizinha, especialmente tendo em conta que acontecem mesmo antes da tomada de posse de Donald Trump, um dos mais notórios promotores do negacionismo climático a nível internacional.

03 de janeiro de 2025 às 22:05

O relógio não para

As odes de revertermos a situação climática para onde caminhamos parecem cada vez mais escassas e o aproximar do final da década deixa-nos cada vez com menos tempo.

Mostrar mais crónicas

As 10 lições de Zaluzhny (I)

O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.