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Beirute: Investigadores procuram pistas entre suspeitas de negligência

Investigação está focada em determinar como foi possível que 2.750 toneladas de nitrato de amónia tenham estado armazenadas durante pelo menos seis anos.

Investigadores começaram a procurar no destruído porto de Beirute pistas que os conduzam a identificar causas das explosões que destruíram parte da capital libanesa, enquanto o governo ordenou algumas detenções domiciliárias de dirigentes portuários suspeitos de negligência.

A investigação está focada em determinar como foi possível que 2.750 toneladas de nitrato de amónia tenham estado armazenadas durante pelo menos seis anos, sem nada ter sido feito a este respeito.

O nitrato de amónio é usado principalmente como fertilizante químico para uso agrícola, mas também pode entrar na composição de alguns explosivos para uso civil.

A Sociedade Química de França, por exemplo, esclareceu que o nitrato de amónio "é utilizado sobretudo como fertilizante químico para as culturas de leguminosas".

O Líbano é conhecido como um grande consumidor de fertilizante: com 330 quilogramas por hectare, o país utiliza duas vezes mais que a média mundial, assinalava em fevereiro a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O nitrato de amónio também é utilizado no fabrico de explosivos. "Misturado com TNT (trinitrotolueno) ou com PETN (tetranitrato de pentaeritritol), é usado na construção, nas minas e pedreiras", avançou a Sociedade Química de França.

Os voos com ajuda internacional começaram a chegar ao Líbano, enquanto os líderes do país procuram a melhor maneira de lidar com a chocante situação posterior às explosões de terça-feira, a braços com uma crise económica e a enfrentar protestos públicos que os acusam de crónica má gestão e corrupção.

A explosão no porto matou pelo menos 113 pessoas e feriu cerca de quatro mil, disse o ministro da Saúde, Hamad Hassan. Os hospitais estão submergidos pela procura -- um, atingido pela explosão, teve mesmo de retirar todos os seus doentes para um campo nas proximidades para os tratar.

Há edifícios destruídos e com estragos ao longo de quilómetros na cidade e o governador da capital disse hoje que centenas de milhares de pessoas poderiam não ter possibilidade de regressar às suas casas nos próximos dois ou três meses.

Esta foi a pior e mais destrutiva explosão solitária ocorrida no Líbano, país que tem uma história cheia de destruição, com um guerra civil, entre 1975-1990, conflito com Israel e ocasionais ataques terroristas.

A alimentar a especulação que a negligência pode ser sido a causa do acidente, uma carta oficial a circular hoje na Internet mostrou que o chefe do departamento das Alfândegas tinha avisado repetidamente, ao longo dos anos, que o imenso 'stock' de nitrato de amónio, arrumado num armazém no porto, era um perigo e solicitava aos dirigentes da justiça uma decisão para a sua remoção.

A carga de nitrato de amónio estava no porto desde que foi confiscada, então carga de um navio, em 2013, e suspeita-se que explodiu depois de um incêndio ter começado nas proximidades.

A carta do dirigente das Alfândegas, de 2017, a um juiz não pode ser confirmada imediatamente, mas o procurador estatal Ghassan Oueidat ordenou aos serviços de segurança que começassem uma investigação imediata a todos os documentos relacionados com os materiais armazenados no porto, bem como às pessoas com responsabilidade na manutenção, armazenagem e proteção do hangar.

Na carta, o chefe das Alfândegas alertava para "o perigo, se os materiais continuarem onde estão, afetando a segurança dos empregados" portuários, e solicitava ao juiz orientação para o que fazer com os materiais.

Acrescentou ainda que tinham sido enviadas cinco cartas similares em 2014, 2015 e 2016.

A carta agora divulgada propõe que o material fosse exportado ou vendido a uma empresa libanesa de explosivos. Desconhece-se se a carta foi respondida.

O Presidente libanês, Michael Aoun, garantiu hoje, durante uma reunião do governo, que a investigação seria transparente e os responsáveis punidos.

"Não há palavras para descrever a catástrofe que atingiu Beirute na noite passada", disse.

Depois da reunião, o governo ordenou que vários dirigentes do porto fossem colocados em detenção domiciliária, enquanto se faz a investigação, e declarou um estado de emergência durante duas semanas, o que significa dar poder total aos militares durante este período.

O governo adiantou que as escolas públicas e alguns hotéis iriam acolher pessoas que perderam as casas e prometeu uma compensação, não especificada, para as vítimas.

Com o porto de Beirute destruído, p governo adiantou que as importações e exportações iriam ser feitas através de outros portos do país, principalmente através de Tripoli, a norte, e Tiro, a sul.

Já começaram a aparecer sinais de que o descontentamento público vai além dos dirigentes portuários e começa a focar-se na classe governante.

As fações políticas têm divido o controlo dos serviços públicos, incluindo o porto, usando-as para benefício dos seus apoiantes, sem os desenvolver. Isto tem-se traduzido em infraestruturas arruinadas, cortes de energia e prestações de má qualidade.