Suspensão do transporte de gás natural russo através da Ucrânia pode afetar Portugal
Preço do gás natural já se faz sentir em alguns países da Europa. Apesar de Portugal não ser, por enquanto, afetado, especialistas ouvidos pela SÁBADO apontam que esta seria uma excelente oportunidade para avançar com os projetos de construção de gasodutos na Península Ibérica.
Portugal é um dos países que poderá vir a ser afetado pela suspensão do transporte de gás natural russo via Ucrânia, além da Eslováquia, Áustria e Hungria.
Segundo especialistas ouvidos pela SÁBADO, Portugal ao estar dependente de "zonas instáveis de maioria muçulmana", no que toca ao fornecimento de gás natural, pode fazer com que num abrir e fechar de olhos o País tenha que recorrer a gás natural mais caro – neste caso fornecido pelos Estados Unidos. Isto acontece porque a Rússia, que detinha o gás mais barato, deixou de abastecer a Europa através dos gasodutos que atravessam a Ucrânia.
"Portugal tem fornecedores na Magrebe (região de África que inclui Marrocos, Argélia e Tunísia) e também na Nigéria. O problema é que estas zonas que nos fornecem gás são politicamente muito instáveis", começa por explicar à SÁBADO o especialista em relações internacionais, José Filipe Pinto. "Na Nigéria, está ativo o Boko Haram – um grupo terrorista com ramificações à Al Qaeda e ao Estado Islâmico - e a Argélia também é um país que não tem garantia de estabilidade política. Neste momento, a situação até está estável, mas o governo pode não conseguir controlar estes grupos de terroristas. Repentinamente pode acontecer algo semelhante ao que se passou na Síria."
Caso este cenário se verifique, José Filipe Pinto garante que "Portugal não vai ter reservas estratégicas". Teria, assim, que recorrer a uma de três formas de abastecimento, à semelhança do que já acontece com outros países da Europa, que são agora afetados pelo corte no transporte de gás russo. São elas: o abastecimento "a partir dos EUA, Noruega ou Qatar".
"Quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, diz que já acautelou este corte, é verdade. O problema é que estes países vendem gás mais caro do que o gás natural russo. Mais tarde ou mais cedo este cenário vai repercutir-se nos bolsos dos consumidores", indica José Filipe Pinto.
Por enquanto ainda não se avizinha uma subida de preços do gás natural em Portugal, ao contrário do que já acontece em outros países, que estão a recorrer sobretudo aos EUA, aponta o especialista em relações internacionais, Paulo Batista Ramos. Contudo, esta subida poderá acontecer. "Em princípio, Portugal ainda não será afetado, mas num segundo momento pode fazer subir os preços", defende o também professor da Universidade do Minho.
A subida do preço do gás natural é, assim, uma das consequências da suspensão do transporte de gás natural russo através da Ucrânia. Face a este cenário, Paulo Batista Ramos lembra que Portugal poderia sair beneficiado, caso decidisse avançar com os projetos de construção de gasodutos. "A Península Ibérica, incluindo Portugal, podia ter um papel especialmente estratégico para abastecer toda a Europa. O problema é convencer os franceses. Os alemães estão mais convencidos, mas os franceses é que querem vender a energia deles", recorda o especialista.
Enquanto isso, outros países estão a lucrar com a suspensão do transporte de gás natural russo. É o caso dos EUA. "O grande beneficiado são os EUA", indica José Filipe Pinto. "Graças a este corte, Donald Trump vai passar a receber uma verba extra dos países da União Europeia com o qual não contava e isto pode ser uma contrapartida para o futuro dos negócios de paz na Ucrânia. Significa que Trump tem aqui um ativo que pode servir de moeda de troca para que Putin obtenha concessões territoriais, como a Crimeia e o Donbass."
Ucrânia irá perder mil milhões de dólares por ano
Quanto à Ucrânia, Paulo Batista Ramos acredita que "não vai ser beneficiada diretamente", uma vez que se calcula que o país irá perder até mil milhões de dólares por ano em taxas de trânsito do gás russo, segundo a agência noticiosa Reuters. A situação colocará, porém, "pressão sob a União Europeia para que os países possam abrir os olhos", acrescenta o especialista em ciência política e relações internacionais. A Europa espera eliminar completamente as importações de gás russo até 2027.
Já a Rússia, sairá claramente "a perder", sendo que a sua única solução será vender o gás natural mais barato a países da Ásia Central, como a Índia, e a China, apontam ambos os especialistas. "Este corte priva Moscovo de obter receitas que lhe fazem falta para manter o esforço de guerra, mas implica uma alternativa: canalizar o gás natural para a Ásia Central e a China, mas a preços mais baixos", refere José Filipe Pinto.
Mas por que iria a Rússia vender gás natural a preços mais baixos? "Para comprarem. A China, a Índia, a Coreia do Sul e o Japão são grandes consumidores de gás natural, mas existem outros concorrentes, como o Irão, que só conseguem vender para esses lados", justifica Paulo Batista Ramos.
A Ucrânia suspendeu a 1 de janeiro o transporte de gás natural russo através do seu território, e este cenário deverá afetar sobretudo a Eslováquia, a Áustria e a Hungria. Como consequência, a Transnístria, região separatista da Moldávia, que também dependente deste gás russo, cortou o aquecimento e o fornecimento de água quente para as famílias. Na quarta-feira, a companhia de energia local, Tirasteploenergo, instou os residentes a vestirem roupas quentes, a pedurarem cobertores ou cortinas grossas nas janelas e nas portas das varandas, e a usar aquecedores elétricos.
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