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Jean-Marie Le Pen (1928-2025): morreu o histórico da extrema-direita francesa

Gabriela Ângelo 07 de janeiro de 2025 às 18:06

Concorreu cinco vezes às presidenciais e em 2002 foi à segunda volta para ser derrotado por Chirac. A ex-mulher roubou-lhe um olho de vidro e zangou-se com a filha, que o expulsou do próprio partido.

Foi em 1972 que Jean-Marie Le Pen co-fundou o partido francês de extrema-direita Frente Nacional, à frente do qual se manteve até ser substituído pela filha, Marine, em 2011. Com o partido, candidatou-se cinco vezes às eleições presidenciais: 1974, 1988, 1995, 2002 e 2007. Numa dessas vezes, em 2002, chegou à segunda volta contra Jacques Chirac, tendo sofrido uma pesada derrota (82% contra 18%).

AP Photo/Kamil Zihnioglu, File

A sua morte esta terça-feira, aos 96 anos, foi confirmada por Jordan Bardella, através do X, o atual porta-voz do partido que Le Pen fundou. Numa declaração à Agence-France Presse, a família confirmou a morte de Jean-Marie Le Pen num hospital em Garches, em Paris. Em abril de 2024, Le Pen já estaria num estado debilitado após sofrer o segundo ataque cardíaco do ano.

As polémicas

Jean-Marie Le Pen nasceu a 20 de junho de 1928 em Trinité-sur-mer, uma aldeia costeira na Bretanha. Era filho de Jean Le Pen, um pescador, e Anne-Marie Hervé, uma costureira. Licenciou-se em Direito pela Universidade Panthéon-Assas, em Paris, onde começou a participar ativamente na política de direita, tendo estado envolvido em algumas lutas de rua com estudantes comunista. Foi preso várias vezes. Em 1960 casou-se com Pierrette Lalanne, e além de Marine, tiveram mais duas filhas, Marie-Caroline e Yann. Divorciaram-se em 1987.

Como paraquedista pela Legião Estrangeira Francesa na Indochina em 1953, Le Pen lutou contra o Viet Minh, as forças vietnamitas dominadas pelos comunistas. Mais tarde, enquanto oficial dos serviços secretos na Argélia durante a guerra de independência, foi acusado de torturar membros da Frente Argelina de Libertação Nacional, mas não foi julgado e negou as alegações.

Esta não foi a única vez que Le Pen teve problemas com a Justiça. Em 1987 foi condenado por negação do Holocausto depois de ter dito que as câmaras de gás nazis eram apenas "um pormenor" na História. Repetiu o comentário uma década mais tarde e foi condenado por um tribunal alemão. Em 2003, 2005, 2008 e 2011 foi condenado por incitar ao ódio racial contra muçulmanos. Em 2012, foi condenado pela apologia de crimes de guerra ao dizer que "a ocupação alemã não foi especialmente desumana" numa entrevista a um jornal alemão. Todas estas condenações levaram a multas, mas nunca a penas de prisão.

"Se pegarem num livro de mil páginas sobre a II Guerra Mundial, em que 50 milhões de pessoas morreram, os campos de concentração ocupam duas páginas e as câmaras de gás dez ou 15 linhas, e é a isso que se chama um detalhe", disse no final dos anos 90.

O político acreditava que "as raças são desiguais", que qualquer pessoa com SIDA era "uma espécie de leproso", que "os judeus conspiraram para dominar o mundo" e que os Estados Unidos eram "uma nação mestiça", cita o jornal norte-americano The New York Times.

Segundo a agência noticiosa Reuters, nos anos 80 a mulher de Le Pen, Pierrette, fugiu com o biógrafo do marido, Jean Marcilly. Posou nua para a revista Playboy e denunciou Jean-Marie Le Pen como violento. Roubou um dos olhos de vidro de Jean-Marie, tendo-o devolvido quando ele concordou devolver-lhe as cinzas da mãe. 

A vida política

A sua primeira aparição na política foi em 1956 quando ganhou um lugar na Assembleia como membro do movimento anti-impostos de Pierre Poujade. Desde 1972, ano em que se juntou a grupos extremistas e fundou e liderou o partido Frente Nacional, até 2011 quando se reformou, foi considerado o líder da extrema-direita da política francesa.

No ano da sua fundação em 1972, a Frente Nacional não ganhou muita atenção e a própria candidatura de Le Pen à presidência obteve menos de 1% dos votos em 1974. Contudo, uma década mais tarde, uma onda de apoio levou o partido a obter 10% dos votos nas eleições europeias de 1984, e deu ao líder um lugar como eurodeputado que manteve durante mais de 30 anos.

Marine Le Pen, a filha mais nova de três, sucedeu-lhe como líder da Frente Nacional em 2011 e ganhou proeminência numa maré populista contra a corrente política dominante. Também não teve sorte na sua candidatura para as presidenciais francesas, tendo sido derrotada três vezes: a primeira em 2012 quando ficou em terceiro lugar com 17,9% atrás de François Hollande e Nicolas Sarkozy, em 2017 com 33,9%, tendo perdido contra o centrista Emmanuel Macron, e finalmente em 2022 com 41,5%, derrotada de novo por Macron. 

Marine Le Pen, tentando suavizar a retórica política do seu pai, expulsou-o do partido em 2015 e ofereceu-se para aceitar uniões civis entre casais do mesmo sexo, para aceitar abortos incondicionais e retirar a pena de morte, e rejeitou publicamente o antisemitismo do seu pai. Estas mudanças levaram ainda à mudança do nome em 2018 de Frente Nacional para Reagrupamento Nacional. Le Pen pai nunca concordou com a alteração e disse que a filha devia casar para perder o apelido.

Hoje em dia, o Reagrupamento Nacional é visto como a segunda força política na França, tendo alcançado um número recorde de 126 deputados no parlamento francês. 

Marine Le Pen soube da morte do pai durante uma paragem no Quénia, enquanto voltava de uma visita ao território ultramarino francês de Mayotte. 

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