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Eurogrupo é intencionalmente opaco, denuncia Transparência Internacional

05 de fevereiro de 2019 às 12:24

A ONG denuncia que o fórum de ministros das Finanças da zona euro é um órgão com um grande impacto na vida dos cidadãos europeus, mas que funciona de forma intencionalmente opaca.

ATransparência Internacionaldenuncia num relatório publicado esta terça-feira que o fórum de ministros das Finanças da zona euro, oEurogrupo, é um órgão com um grande impacto na vida dos cidadãos europeus, mas que funciona de forma intencionalmente opaca.

No relatório, a organização não-governamental (ONG) questiona a legitimidade de um órgão informal que classifica de quase "fantasmagórico", onde a confidencialidade, intencional, "exacerba as assimetrias de poder entre os Estados-membros", permitindo aos países mais poderosos, como Alemanha e França, pressionar os mais pequenos, designadamente os "devedores".

Entre várias recomendações, a Transparência Internacional sugere que o cargo de presidente do Eurogrupo, atualmente ocupado porMário Centeno, seja exercido a tempo inteiro e em regime de exclusividade, pois, sustenta, o facto de o fórum ser dirigido, em 'part time', pelo ministro das Finanças de um dos seus membros conduz a "um inevitável conflito de interesses".

De acordo com a Transparência Internacional, "para uma instituição cujas decisões tiveram impacto nas vidas de milhões de europeus, há muito sobre o Eurogrupo que é um mistério", sendo o fórum quase fantasmagórico, pois "não é governado pelos Tratados da UE, os seus membros por vezes alegam que não tomam quaisquer decisões, não tem 'staff' próprio e não tem sequer quartel general".

Criado há 20 anos, "saiu da obscuridade após deflagrar a crise do euro, há 10 anos, para se tornar o ator principal no drama em torno de uma série de resgates, estabelecendo as condições associadas aos programas de assistência financeira a Chipre, Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha", e hoje continua a desempenhar um papel relevante, refere a ONG, apontando designadamente o "braço de ferro" com Itália devido ao orçamento.

"E, no entanto, o que é exatamente o Eurogrupo, que decisões toma e como opera são questão ainda muito pouco claras. É esta falta de clareza que tem profundas consequências para a sua responsabilidade e, como tal, para a sua legitimidade. De facto, uma das principais conclusões é que o Eurogrupo escapou e continua a escapar à responsabilização que o seu amplo impacto exige", sustenta o relatório.

À luz da lei da UE, realça, "o Eurogrupo é apenas um órgão que visa gerar consensos, sem a autoridade para tomar decisões. Os tratados da UE apenas mencionam o Eurogrupo num anexo. Mas, as decisões pré-acordadas em sede do Eurogrupo são adotadas pelo Conselho (da UE) sem mais debates, e mesmo quando é necessária uma votação apenas os ministros da área do euro votam, ou seja, os membros do Eurogrupo".

Segundo a Transparência Internacional, "a falta de transparência do Eurogrupo é pensada como uma funcionalidade, não uma falha", sendo a confidencialidade privilegiada "supostamente para ajudar a forjar compromissos, e desse modo a facilitar o processo de tomada de decisão".

Todavia, sublinha, "a falta de transparência no processo de tomada de decisão do Eurogrupo significa que os cidadãos podem fazer ouvir a sua voz -- e, mais importante, a sua oposição - apenas quando as decisões já estão tomadas".

"Além disso, a falta de transparência exacerba as assimetrias de poder entre os Estados-membros. Enquanto em teoria a exigência de consenso deveria proteger os interesses dos Estados-membros mais pequenos, na prática esses países têm uma capacidade muito limitada de resistir a procedimentos ou ameaçar um veto, especialmente se forem Estados 'devedores'. A confidencialidade permite aos Estados-membros maiores -- especialmente se forem 'credores' -- pressionarem os outros membros", denuncia o relatório.

Por outro lado, prossegue, apenas Alemanha e França têm recursos para "lidar com tanta informação" a nível de política económica na zona euro, o que leva a que as decisões, incluindo sobre os projetos orçamentais de cada país, sejam tomadas muito em função dos pareceres de Berlim e Paris.

"Na prática, sob a pressão dos mercados financeiros e constrangimentos de tempo, apenas Alemanha e França reúnem os recursos para avaliar todas as políticas nacionais e analisar todos os pareceres e recomendações da Comissão Europeia para todos os países, o que significa que a maior parte dos membros toma decisões sobre (a rejeição) dos orçamentos nacionais uns dos outros sem terem os recursos para os analisar adequadamente", lê-se no documento.

O relatório recomenda "que o Eurogrupo se torne um órgão da UE ou seja integrado no Conselho da UE", o mesmo aplicando-se ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo de resgate permanente da zona euro, diretamente controlado pelo Eurogrupo.

A ONG agradece no seu relatório a cooperação, para a elaboração do mesmo, do próprio presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, a quem reconhece também o mérito de ter introduzido uma nova prática, de convidar investigadores académicos para discussões ocasionais sobre temas específicos, o que considera "uma mais valia", ainda que "apenas um passo pequeno" no sentido de abrir mais o fórum ao exterior.

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