Secções
Entrar

Deputados franceses votam a favor de “direito à assistência na morte”

Lusa 27 de maio de 2025 às 20:49

O chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, saudou a votação do diploma pela câmara baixa da Assembleia Nacional como um "passo importante".

Os deputados franceses aprovaram esta terça-feira na generalidade a criação de um direito à ajuda na morte, primeira etapa de uma importante reforma da presidência Macron sobre um tema que divide França há décadas, para lá das clivagens partidárias.

O chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, saudou a votação do diploma pela câmara baixa da Assembleia Nacional como um "passo importante".

"Respeitando as sensibilidades, as dúvidas e as esperanças de cada um, o caminho da fraternidade que eu desejava abre-se progressivamente. Com dignidade e humanidade", escreveu Macron, na rede social X.

O seu primeiro-ministro, o centrista François Bayrou, historicamente reticente em relação à ajuda para morrer, expressou hoje de manhã as suas dúvidas sobre o texto e disse que, se fosse deputado, se absteria.

Duas propostas de lei estavam hoje na ordem de trabalhos: a primeira, sobre a criação de um "direito passível de oposição" aos cuidados paliativos, foi aprovada por unanimidade, mas o destino da segunda, sobre o "direito à assistência na morte", era mais incerto.

Votaram a favor 305 deputados e contra 199, sendo aprovada a reforma que Macron propôs em 2022 e que a ministra da Saúde, Catherine Vautrin, espera que seja promulgada antes das eleições presidenciais de 2027.

Este "direito à assistência na morte", outra designação para o suicídio assistido e a eutanásia, será concedido a pessoas que sofram de "uma doença grave e incurável", que "ponha em risco a sua vida, que esteja em estado avançado ou terminal" e que envolva "um sofrimento físico ou psicológico permanente".

O objetivo é criar um "modelo francês" de ajuda para morrer, "rigoroso e controlado", afirmou o ministro da Saúde francês, Yannick Neuder, no fim de semana, referindo-se aos doentes "a cujo sofrimento os cuidados paliativos já não conseguem dar resposta".

Se o diploma for definitivamente adotado, França tornar-se-á o oitavo país europeu a legalizar a morte assistida.

Tal aproximará França de alguns países europeus onde o suicídio assistido - autoadministração da substância letal - e a eutanásia - induzida por um prestador de cuidados a pedido de um doente - são autorizados, como os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo.

Mas o texto irá mais longe do que a legislação em vigor na Suíça e na Áustria, onde apenas o suicídio assistido é autorizado em determinadas condições, sendo este a regra e a eutanásia, a exceção.

Atualmente, o fim da vida em França é regido pela lei Claeys-Léonetti, de 2016, que permite a "sedação profunda e contínua até à morte" para os doentes em fase terminal.

Em França, esta questão sensível voltou regularmente ao debate público, na sequência de casos concretos que desencadearam uma forte reação popular e dividiram até a classe médica.

Uma questão sobre a qual os deputados chegaram a um consenso é que qualquer prestador de cuidados de saúde que não queira prestar assistência na morte poderá invocar objeção de consciência.

"O fim da vida é certamente um assunto íntimo. Envolve experiências pessoais que, por vezes, são de partir o coração. (…) Mas legislar sobre o fim da vida não é apenas uma questão de liberdade pessoal", escreveu o diário católico La Croix no seu editorial de segunda-feira.

Os debates realizados durante 15 dias na Assembleia Nacional resultaram na aprovação de várias alterações e foram bastante tranquilos.

O hemiciclo dividiu-se ‘grosso modo’ entre esquerda e "bloco central", maioritariamente a favor do texto, e direita e extrema-direita, contra.

Após esta votação, há ainda um longo caminho a percorrer: o diploma deve ainda ser analisado pelo Senado - onde a direita tem a maioria - antes de voltar à Assembleia Nacional, no início de 2026, na melhor das hipóteses, podendo ainda ser alvo de vários ajustamentos.

O seu relator, Olivier Falorni (do grupo centrista MoDem), procurou manter o "equilíbrio" do texto, resistindo aos pedidos da esquerda para estender o direito à morte assistida a menores ou a pessoas que tenham manifestado esse desejo nas suas diretivas antecipadas.

Os opositores não ficaram convencidos. Philippe Juvin, deputado de direita d’Os Republicanos (LR), considerou insuficientes as salvaguardas existentes e manifestou, no sábado, à rádio franceinfo, a sua preocupação com a possibilidade de os doentes recorrerem "ao suicídio assistido por falta de acesso aos cuidados".

No sábado, cerca de 300 pessoas com doenças ou deficiências reuniram-se junto à Assembleia para chamar a atenção para "os perigos" do diploma.

"Esta lei parece uma arma carregada colocada em cima da minha mesa-de-cabeceira para que eu possa pôr termo à vida no dia em que disser a mim própria que sou um fardo demasiado pesado para os meus entes queridos ou que a sociedade me diga que sou demasiado cara", afirmou Edwige Moutou, de 44 anos, que tem doença de Parkinson.

Michel Euler/ AP
Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela