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Catalunha: Ana Gomes "estarrecida" com "aberração" de Vox poder interrogar testemunhas

29 de abril de 2019 às 18:33

Partido de extrema-direita constituiu-se como "acusação popular", que atribui legitimidade a qualquer cidadão espanhol para se apresentar num processo judicial penal, mesmo que não tenha sido diretamente afetado pelo delito em causa.

A eurodeputada socialistaAna Gomesdiz-se "estarrecida" com "a aberração" com que foi confrontada esta segunda-feira, enquanto testemunha abonatória de um independentista catalão, de poder ser interrogada pelo partido de extrema-direitaVox, que se constituiu como "acusação popular".

A figura da "acusación del pueblo" está prevista na Constituição espanhola e atribui legitimidade a qualquer cidadão espanhol para se apresentar num processo judicial penal, excluindo os de delitos privados ou militares, mesmo que não tenha sido diretamente afetado pelo delito em causa.

A figura pode ser atribuída a pessoas ou entidades jurídicas, sendo mais frequentemente utilizada por associações ou mesmo por partidos políticos.

"Ao vir à audiência no Supremo Tribunal, em Madrid, hoje por volta das 11h00, fiquei estarrecida quando percebi que podia ser interrogada, além do juiz principal, pela Fiscalia, que é o correspondente ao Ministério Público, pela figura do chamado advogado do Estado, que é outra figura que representa o Estado, pela defesa, naturalmente, mas, sobretudo, que podia ser ainda questionada pelo partido Vox, o partido ultranacionalista, fascista", disse Ana Gomes, contactada telefonicamente pelaLusa.

"Eu estou aparvalhada, nunca imaginei, de facto. Há aqui coisas que eu não consigo reconciliar com um Estado de Direito", considerou, sublinhando "achar estranhíssimo" que, mesmo existindo no sistema espanhol a figura da acusação popular, o tribunal possa permitir que "um partido de extrema-direita, que está em campanha eleitoral", se constitua como tal.

Ana Gomes explicou que participa no processo como testemunha abonatória de Raul Romeva, membro de os Verdes e um dos independentistas presos, que foi seu colega no Parlamento Europeu (PE) durante dez anos e com quem trabalhou de perto "em muitos assuntos" e "muito bem": "Sou amiga dele, sei bem que ele é um profundo, convicto democrata", frisou, acrescentando que foi isso que foi dizer a tribunal.

A eurodeputada acabou por não ser questionada pelo Vox, mas soube pela equipa de defesa de Romevo que, se fosse, não podia recusar-se a responder.

"Foi-me dito que não me poderia recusar. E não me recusaria, mas obviamente que lavraria um protesto por achar que me parece altamente questionável, digamos, do ponto de vista da isenção do tribunal, mas sobretudo porque obviamente é uma arma que eles utilizaram para efeitos de propaganda durante a própria campanha eleitoral e a que se vai seguir", assegurou.

"Parece-me isto uma absoluta aberração", indignou-se. "Disseram-me que outras testemunhas, quando confrontadas com perguntas deles, tinham recusado responder e tinham sido admoestadas pelo tribunal de que não se podiam furtar a responder".

Indignada, Ana Gomes evoca ainda outra situação em que ficou "completamente aparvalhada" com o tratamento que é dado ao processo independentista catalão pelos 'media' de Espanha.

Em setembro passado, quando os independentistas detidos foram transferidos de Madrid para aCatalunha, a eurodeputada e outros 12 membros do PE foram visitá-los.

"Já nessa altura fiquei absolutamente escandalizada, não acreditava no que estava a passar-se. Quando convocámos uma conferência de imprensa, depois da visita, todos os media catalães vieram, mas dos 'media' espanhóis nem um. E não houve uma linha" escrita nos jornais em castelhano sobre a visita.

"Os catalães disseram-me isso. É assim, há um boicote total à informação ao povo espanhol sobre o que se passa na Catalunha. Eu não queria acreditar mas nessa altura acreditei porque percebi que era assim", considerou a eurodeputada socialista nas declarações que fez à agênciaLusa.

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