Bolsonaro investigado por genocídio. O que se passa com o povo Yanomami?
Durante os quatro anos de presidência de Jair Bolsonaro morreram 570 crianças Yanomami com doenças que poderiam ter sido curadas. As toxinas libertadas pelos garimpeiros ilegais contaminaram os rios com mercúrio, envenenando os peixes e a água com que a população indígena pratica a agricultura.
O governo de Jair Bolsonaro vai ser investigado por genocídio e omissão de socorro ao povo Yanomami. O inquérito foi aberto pela Polícia Federal depois do atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, ter visitado o território indígena no dia 21 de janeiro e verificado as condições de vida a que a comunidade está sujeita, garantindo que existem "provas de genocídio".
Existem também outras duas denúncias sobre o caso que já estão em avaliação preliminar no Tribunal Penal Internacional, localizado nos Países Baixos. Nestas acusações, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Comissão Arns alegam que o ex-presidente brasileiro praticou crimes de genocídio durante a pandemia contra todos os brasileiros, e durante os últimos quatro anos contra os povos indígenas, pela falta de proteção a que ficaram sujeitos.
Na passada terça-feira, dia 24 de janeiro, o secretário para a Saúde Indígena, Weibe Tapeba, pediu que fosse requerido o apoio das forças armadas brasileiras para expulsar os garimpeiros ilegais da região da reserva Yanomami, junto da fronteira com a Venezuela, onde não é permitida a exploração mineira.
Weibe Tapeba chegou mesmo a referir que o cenário que se vive na reserva "parece um campo de concentração". Segundo o secretário para a Saúde Indígena, cerca de 700 membros desta comunidade estão em situação de fome e não têm acesso a cuidados de saúde, uma vez que eram impedidos de se deslocar até aos postos de saúde pelos garimpeiros armados.
No dia 20 de janeiro, o Ministério da Saúde do Brasil declarou estado de emergência sanitária na região Yanomami, que é a maior reserva indígena do país. A decisão surgiu depois de várias crianças terem sido confirmadas mortas por desnutrição e outras doenças causadas pela exploração mineira.
No dia seguinte, o presidente Lula da Silva e o secretário para a Saúde Indígena Weibe Tapeba visitaram o local e este último classificou a situação como uma "calamidade extrema" onde existe uma "ausência total do estado brasileiro".
Aumento dos garimpeiros
Em abril de 2022, foi publicado o relatório Yanomami Sob Ataque pela associação Hutukara e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana com o apoio técnico do Instituto Socioambiental. O trabalho expôs um balanço sobre a extração ilegal de ouro e de outros minérios na região Yanomami.
Essa análise deixou claro que nos cinco anos anteriores, o crescimento do número de garimpeiros tinha sido muito acelerado. Entre 2016 e 2020, os garimpeiros ilegais aumentaram em 3,350%.
A área de impacto destas explorações duplicou entre outubro de 2018 e dezembro de 2021, alcançado neste último mês os 3.272 hectares.
Atualmente as toxinas libertadas pelos garimpeiros já contaminaram os rios com mercúrio, envenenando os peixes que os Yanomami comem, a água com que cultivam e bebem e, consequentemente, toda a população.
O contributo de Bolsonaro
Durante os quatro anos da presidência de Bolsonaro, foi referido por diversas vezes a possibilidade de utilizar as terras indígenas para a exploração de minérios. O governo chegou até a propor um projeto de lei que dotaria esta atividade mineira de legalidade.
Em março de 2022, o então presidente fez uma declaração publica onde referiu: "Índio quer internet, quer explorar de forma legal a sua terra, não só para agricultura, mas também para garimpo".
Em diversos momentos do seu mandato, também foi possível ouvir Bolsonaro a referir a riqueza e possibilidades dadas pela "tabela periódica debaixo da terra" existente na Amazónia.
Durante os quatro anos de presidência de Jair Bolsonaro, morreram 570 crianças Yanomami com doenças que poderiam ter sido curadas. As principais causas de morte foram a desnutrição, a malária e as malformações causadas pela ingestão de mercúrio.
O Supremo Tribunal do Brasil chegou a ordenar a remoção dos garimpeiros, mas o governo do ex-presidente nunca agiu. Também os pedidos de ajuda dos líderes Yanomami foram ignorados pelos oficiais do estado brasileiro.
Bolsonaro ainda não reagiu à investigação por genocídio, mas anteriormente já tinha considerado que todas estas denúncias se tratavam de uma "farsa da esquerda". Defendeu que o seu governo deu uma atenção especializada aos territórios indígenas.
Desvio de medicamentos e alimentos
O Ministério Público Federal está também a investigar a possibilidade de terem ocorrido desvios de medicamentos e de alimentos no território Yanomami, uma vez que dos 90 tipos de medicamentos que deveriam ter sido entregues à região em 2022, apenas 30% chegaram ao destino.
Os procuradores consideram que o desvio de medicamentos que tratam as infeções causadas por vermes impediu o acesso a um tratamento adequado de cerca de 13 mil crianças.
Existem ainda denúncias sobre a interrupção do fornecimento de alimentos. A procuradora Alisson Marugal denunciou que o Ministério da Saúde brasileiro cortou o fornecimento de alimentos aos postos de saúde do estado desde 2020, sem apresentar qualquer tipo de justificações.
Depois da saída dos ministros de Bolsonaro, o atual Ministério da Saúde acabou por decretar estado de emergência sanitária na região a 21 de janeiro. Foram enviados profissionais de saúde e criados hospitais de campanha para tentar atender toda a comunidade. Segundo o secretário da Saúde Indígena, já foram socorridos mais de mil indivíduos que se encontram numa situação de extrema vulnerabilidade.
Vários alertas ignorados
Durante os últimos anos várias instituições nacionais e internacionais tentaram chamar a atenção para as condições a que esta comunidade está sujeita. A APIB avançou que a invasão dos territórios indígenas por parte dos garimpeiros foi denunciada pelo menos 21 vezes durante o governo de Bolsonaro.
A 1 de julho de 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (um tribunal com vista à defesa dos direitos humanos) emitiu uma notificação pedindo ao Brasil que proteja "a vida, a integridade pessoal e a saúde dos membros dos povos indígenas Yanomami, Ye'kwana e Munduruku". Esta comissão considerou que as condições de vida destas populações as deixavam numa condição de "extrema gravidade e urgência".
Segundo as informações transmitidas pela Corte à BBC News Brasil, nunca existiu "qualquer resposta por parte do estado brasileiro".
Em dezembro de 2022, a Survival International também emitiu um alerta relativo a esta crise depois de um estudo da UNICEF e do centro de investigação biomédica FioCruz do Brasil ter descoberto que 8 em cada 10 membros da comunidade Yanomami sofriam de desnutrição, e que as mortes por doenças evitáveis entre crianças menores de cinco anos eram 13 vezes maiores do que o índice nacional.
A diretora da Survival International, Fiona Watson, referiu que "os Yanomami raramente sofrem de desnutrição em circunstâncias normais". "As suas florestas são abundantes e eles são especialistas em cultivar, colher e caçar tudo o que precisam, e gozam de excelente saúde". "Esta é uma crise deliberada, provocada pelo homem, alimentada pelo presidente Bolsonaro, que incentivou a invasão em massa e a destruição das terras dos Yanomami", defendeu.
Edições do Dia
Boas leituras!