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Sean Baker, o cineasta dos deploráveis que conquistou Hollywood

O realizador de Anora retratou trabalhadores do sexo e atores pornográficos, filmou com iPhones e empregou atores amadores - assim se fez o caminho de Sean Baker até aos Óscares.

Pedro Henrique Miranda 03 de março de 2025 às 16:49
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No discurso de aceitação do Óscar de Melhor Filme - o último de cinco que o filme arrecadou na noite dos Óscares, além de Melhor Atriz, Realizador, Argumento Original e Edição - Sean Baker, o realizador deAnora, comédia dramática sobre uma trabalhadora do sexo apanhada numa teia de luxo e engano com o filho de um oligarca russo, aproveitou os últimos momentos no palco para agradecer à Academia "por reconhecer um filme verdadeiramente independente", um filme "feito com o sangue, suor e lágrimas de incríveis artistas independentes".

Foi esta a bandeira carregada pelo realizador ao longo de toda a sua carreira, na qual experimentou e concretizou novas formas de levar para o grande ecrã histórias de grupos marginalizados e párias da sociedade, e, através delas, trazê-los para o centro do debate público com poucos recursos financeiros e atores sem experiência. A consagração pelos pares na cerimónia de domingo, que fecha um ciclo iniciado no ano passado, quando Anora venceu a maior distinção em Cannes, a Palma de Ouro, marca agora o culminar dessa jornada.

Nascido em 1971, em Nova Jérsia, numa família de classe média que traria para o seu universo fílmico - o seu pai, advogado, representaria os seus filmes em litígios e a sua irmã, música e designer de produção, integraria as suas produções - apaixonou-se pelo cinema a ver sessões de filmes de terror com a mãe na biblioteca pública local, trabalhando depois como projecionista num cinema independente durante o liceu.

https://youtu.be/WFnHjkCJ-Xk?si=ULgWNsuPg6_AiFi_

Inscreveu-se em estudos cinematográficos na Universidade de Nova Iorque (NYU), mas desistiu a meio para ganhar experiência trabalhando em filmes comerciais e anúncios, terminando a licenciatura apenas aos 27 anos. Seguiu para um curso especializado de edição na Nova Escola, em Nova Iorque, o que definiria o rumo da sua carreira artística: cortou pessoalmente todos os seus filmes até à data. "Considero a minha edição metade da minha realização e um terço da minha escrita", disse, no discurso de aceitação do Óscar pela categoria.

Ao seu primeiro filme, Four Letter Words (2000), uma comédia sobre o olhar da juventude no virar do milénio, seguiu-se o título que inaugurou a sua jornada de reconhecimento, bem como o seu olhar sobre os deploráveis da sociedade: Take Out (2004), sobre um migrante chinês, nos Estados Unidos sem documentos, sob pressão para pagar dívidas gerou burburinho nos festivais de cinema, mas uma disputa legal com outro filme do mesmo nome manteve-o longe dos cinemas comerciais durante anos.

Viria a estrear apenas em 2008, ano do seu próximo filme, Prince of Broadway, também sobre um migrante empobrecido, desta vez do Gana, vendedor de mercadoria contrafeita em Manhattan que descobre que tem um filho. Nele, Baker mostrava abraçar cada vez mais facetas da produção - realizou, escreveu, produziu, filmou e editou o seu terceiro filme -, e foi reconhecido com duas nomeações para o prémio John Cassavetes na mesma edição dos prestigiados Independent Spirit Awards, para Prince of Broadway e Take Out.

Seguiu-se Starlet (2012) que estreou no festival South by Southwest (SXSW) e explora a amizade improvável entre duas mulheres empobrecidas, uma atriz pornográfica de 21 anos e uma viúva de 85, mas o seu grande reconhecimento na indústria viria apenas com Tangerine (2015), a primeira investida no mundo do trabalho do sexo que lhe traria a aclamação de Anora. Acompanhando uma prostituta transgénero que descobre que o seu namorado, um proxeneta, está a traí-la na véspera de Natal, o filme tornou-se notório por ter sido filmado inteiramente com três iPhones 5S, e estreou no festival de Sundance perante aclamação uníssona de crítica e público.

https://youtu.be/WwQ-NH1rRT4?si=rvPig3481DmERRYM

Maiores cumes seriam alcançados por The Florida Project (2017), que segue uma criança de 6 anos (Brooklynn Prince) e os seus amigos num conturbado motel camarário junto à Disneylândia, na Flórida. Apesar de dar continuidade ao seu método de empregar atores desconhecidos, muitos sem qualquer experiência prévia de representação (o caso de Kitana Kiki Rodriguez, atriz principal de Tangerine, e Bria Vinaite, mãe da protagonista em The Florida Project), foi o primeiro filme seu a contar com um ator de renome - Willem Dafoe, nomeado a melhor Ator Secundário nos Óscares desse ano - e a estrear no Festival de Cannes, uma constante daí em diante. 

Red Rocket (2021), sobre um ator pornográfico reformado que procura reformar a sua vida na pequena vila do Texas onde nasceu, e a produção executiva de Love in the Time of Fentanyl (2022), documentário sobre uma sala de injeções em Vancouver, foram os mais recentes precursores de Anora, que o elevou aos mais altos escalões de Hollywood: com as quatro estatuetas que angariou pessoalmente pelo trabalho de realização, produção, escrita e edição do filme, tornou-se no primeiro na história da cerimónia a ganhar quatro Óscares pelo mesmo filme. 

No discurso de aceitação de Melhor Argumento Original, foi o primeiro vencedor (antes da sua Melhor Atriz, Mikey Madison) a agradecer à "comunidade dos trabalhadores do sexo", que "partilhou as suas histórias e experiências de vida ao longo dos anos" e com quem disse partilhar o prémio. O cineasta já revelou que seu próximo filme, tentativamente chamado Left-Handed Girl, também será sobre uma trabalhadora do sexo.

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