Nick Cave mandou-nos largar os ecrãs, Tame Impala deu um tropeção e a organização falhou na hora derradeira.
O regresso do festival mais querido da cidade do Porto, três anos volvidos desde a última edição, é evento que merece ser documentado. Em vez de um relato compreensivo, no entanto, trazemos-lhe um compêndio do que mais nos saltou à vista num dia de altos e baixos para um festival com muito para dar, mas também muito para corrigir. Fique com os principais destaques do primeiro dia de NOS Primavera Sound.
Duas boas surpresas
Já numa hora de vontades divididas, não terão sido todos, ou sequer a maior parte, dos assistentes a dirigir-se ao mais recatado palco Binance para conferir a estreia em Portugal dos britânicosPenelope Isles. Quem foi, no entanto, foi brindado com uma performance brilhante da banda dos irmãos Jack e Lily: revivalismoindiede alto calibre, com ouvido bem atento à melodia, progressões progressivas quanto baste para cativar e, acima de tudo, boas canções.
Entre os artistas que marcaram essa tarde, rivalizaram apenas com osDIIV, força gravitacional tão intensa que puxou quem quer que lá não estivesse para o palco Cupra. Eram, de facto, magnéticas as guitarras dos nova-iorquinos, que pareciam tão surpreendidos quanto nós pelo tamanho da assembleia. "Somos uma banda há muito tempo e este é um dos sítios mais fixes em que já estivemos", diz-nos ofrontmanZachary Cole Smith. "Nós também", apeteceu-nos dizer.
Uma desilusão
Num festival com quatro palcos a funcionar em simultâneo, é no mínimo imperativo que os concertos comecem e acabem a horas, não vá o comboio inteiro descarrilar. Não foi bem o que aconteceu comSky Ferreira, que chegou mais de 20 minutos atrasada a umslotde apenas 45 - osetfoi, corretamente, encurtado na proporção do atraso. Mas mesmo quando chegou, fê-lo com cara de quem não queria ali estar, conjugada com um som excessivamente alto e distorcido: uma pena para os fãs que tanto aguardaram pela sua vinda.
Nick Cave manda-nos partir o telemóvel (e não obedecemos)
Não nos vamos demorar no que já se sabe e já se escreveu em demasia sobre os concertos deNick Cave & the Bad Seeds: que são uma experiência musical transcendente; que se contam entre alguns dos mais sentidos espetáculos a testemunhar; que Nick pode, por vezes, parecer um deus em palco, mas é justamente a sua humanidade que o engrandece.
Quem conhece os espetáculos da banda sabe que não há melhor ocasião para fazer espera nas grades frontais - em outros concertos, significa apenas ver um pouco mais de perto, mas neste, equivale a uma comunhão de mãos dadas, vozes uníssonas e coração a bater ao ritmo do de Nick. O preço a pagar, no entanto, é esperar enquanto há outros concertos para ver: não faz sentido a não ser que a admiração seja sentida e honesta.
O que nos leva a perguntar-nos porque é que, mesmo assim, Nick Cave terá tido de gritar, mais do que uma vez, à fila da frente para colocar "a p*** da câmara para baixo". O facto de não termos obedecido (a injunção das redes sociais é temível) não estragou a cerimónia solene, ponto alto do dia, mas ficou mal a todos: a Nick, que foi obrigado a remover-se da sua transe, à fila da frente, que borregou, e aos restantes, a quem restou a vergonha alheia. Talvez esteja na hora de colocarmos a p*** da câmara para baixo.
Tame Impala perdem o Parque da Cidade - e depois recuperam-no
Por muito que queiramos evitar dizer que "antigamente é que era", tudo indica que as recentes andanças dosTame Impalapelos topos das tabelas têm feito mal à cabeça de Kevin Parker. "Vou ser honesto, não tenho a certeza se já estivemos aqui ou não, mas este lugar é incrível", disse, recebendo de volta um silêncio desconfortável. Ainda se desdobrou em balbuceios para se explicar, mas o mal estava feito. Oset, que ainda estava a aquecer, sofreu um golpe notável, e a canção seguinte,Apocalypse Dreams, saiu a meio gás.
Não trazemos isto à baila levianamente. O episódio encapsula na perfeição a tensão que marca os concertos da banda hoje em dia: por um lado, os grandes músicos que sabemos serem, pelas extensas provas que disso já deram no País, e, por outro, a lógica do espetáculo de estádio por que enveredaram - grandioso, deslumbrante, mas também algo artificial, despersonalizado.
Felizmente, o progredir do concerto deu-nos mais motivos de alegria do que de tristeza. A componente visual, grande parte do que torna o espetáculo da digressão deThe Slow Rushtão apetecível, rendeu o Parque da Cidade, e a banda voltou a rumar a bom porto ao deixar de lado o novo disco e focar-se no que realmente estávamos ali para ver: os maioreshitsde Currents e de Lonerism, e ainda, para os fãs mais antigos, uma inusitada versão deRunaway Houses City Clouds. As pazes estavam feitas.
O grande desastre logístico
Para muitos, o dia acaba antes da última nota soar, facto que a organização, este ano, parece ter negligenciado. Ainda que, dentro do recinto, ouvíssemos entre amigos e vozes miscelâneas muitas críticas às filas que se alongavam para todos os serviços, nada nos poderia preparar para a saída, que, para quem vive longe e não tem viatura própria, mais se assemelhou ao colapso da civilização: filas quilométricas para os autocarros, serviços de TVDE entupidos e nenhum táxi que se avistasse. Esperamos que, nos próximos dias de festival, as limitações sejam colmatadas; para já, a organização está reprovada.
O NOS Primavera Sound continua na sexta, 10, com Pavement, Beck, Arnaldo Antunes e King Krule, e no sábado, 11, com Gorillaz, Interpol, Dinosaur Jr ou Earl Sweatshirt.