Criptomoeda de Trump rendeu-lhe 50 mil milhões de dólares. Mas onde fica a ética?
Uma criptomoeda lançada três dias antes de voltar à Casa Branca levanta perguntas sobre conflito de interesses do presidente norte-americano que prometeu o desenvolvimento dos criptoativos como uma "prioridade nacional".
Entre sexta-feira e domingo, Donald Trump ganhou 56 mil milhões de dólares. Como? Lançou a sua própria criptomoeda três dias antes de tomar posse como presidente dos Estados Unidos. Apesar de não ter um valor real como outras criptomoedas, o lançamento da $TRUMP fez com que Trump se tornasse dez vezes mais rico em menos de 48 horas. Especialistas avisam que a manipulação de mercados é um risco real e que a imagem da Casa Branca pode ficar comprometida.
O lançamento da criptomoeda $TRUMP foi uma surpresa para milhares de investidores mundo fora não só pela decisão, como pela forma como foi anunciada. Durante uma "Cripto Gala" (Crypto Ball) dedicada à indústria dos criptoativos em Washington, o presidente eleito Donald Trump foi um dos palestrantes convidados. A partir do palco, o multimilionário anunciou que tinha lançado a sua própria moeda, deixando o mundo dos cripto-investidores em êxtase.
Cerca de 200 milhões de unidades da $TRUMP foram colocados no mercado desde sexta-feira. Os restantes 800 milhões de unidades deverão ser emitidos no prazo de três anos e serão inteiramente atribuídos a Donald Trump e aos seus parceiros neste projeto. No domingo pelas 22 horas (em Portugal continental), a moeda virtual valia cerca de 45 dólares (43,7 euros), elevando a sua capitalização para nove mil milhões de dólares (8,74 mil milhões de euros). A esse preço, os 800 milhões de unidades destinadas a Trump valerão 34 mil milhões de dólares (33 mil milhões de euros).
António Nogueira Leite, professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), explica à SÁBADO que o lançamento desta nova moeda tão perto da tomada de posse e por um presidente eleito pode ter um efeito de colar esta "moeda" à Casa Branca. "Do ponto de vista ético é completamente lamentável", refere o economista, sublinhando que já havia, anteriormente, muita confusão em torno do universo empresarial Trump e a Casa Branca.
O valor atingido, apesar de surpreendente pela sua magnitude, não é de espantar. Como explica António Nogueira Leite, estas moedas são ativos unicamente associados à lei da procura e oferta, não estando ligadas a outros ativos "palpáveis". E tão rapidamente como sobem de valor, podem baixar a pique, como aconteceu com os NFT há uns anos e outras criptomoedas.
Este tipo de moeda digital, também conhecido como "meme coin", não tem qualquer intenção de vir a ter utilidade económica ou transacional e é frequentemente identificada como um ativo puramente especulativo, como explica Nogueira Leite, ao contrário de moedas como a Bitcoin ou a Ethereum. É criada de forma a capitalizar com o entusiasmo resultante de uma figura pública associada (Elon Musk tem a sua própria meme coin, por exemplo) .
António Nogueira Leite destaca ainda o problema das possíveis acusações de manipulação de mercado. Trump tem vindo a defender como uma "prioridade nacional" o desenvolvimento da indústria dos criptoativos. Ou seja, ao tomar decisões sobre este mundo, Trump estará a legislar sobre um dos seus próprios ativos, podendo influenciar a legislação e o curso de ação para se favorecer a si próprio. "Há um grande risco de manipulação de mercado, sim, e as entidades reguladores podem vir a ser chamadas a intervir", sublinha o académico.
De acordo com as contas da Axios, neste momento, Donald Trump é uma das 25 pessoas mais ricas do mundo e tem uma fortuna de mais de 60 mil milhões de dólares (56,6 mil milhões vindas da $TRUMP, 4,6 mil milhões vindos de ações das suas empresas e 2,6 mil milhões de outros ativos).
No domingo, a mulher de Trump, Melania, lançou também a sua moeda particular, a $MELANIA, que rapidamente atingiu a marca dos cinco mil milhões de dólares. Ao mesmo tempo, o valor da $TRUMP caiu em seis mil milhões de dólares, demonstrando a volatibilidade deste ativo.
Edições do Dia
Boas leituras!