Secções
Entrar

Carlos Costa contra juros negativos no crédito à habitação

27 de abril de 2016 às 13:50

No Parlamento, o governador do Banco de Portugal explicou que a margem financeira dos bancos pode diminuir 700 milhões de euros caso sejam aplicadas taxas de juro negativas nos créditos

O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, não tem dúvidas: colocar os bancos a pagar parte dos empréstimos dos clientes "um impacto devastador sobre a conta de resultados dos bancos". Desde modo, o responsável defendeu que a queda das taxas de juro nos empréstimos à habitação tenha como limite o valor de zero.

Carlos Costa foi ouvido esta quarta-feira na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e o Banco de Portugal enviou um exercício aos deputados sobre o impacto da descida das taxas de juro nos bancos portugueses. Segundo o BdP, a margem financeira dos bancos pode diminuir 700 milhões de euros caso sejam integralmente aplicadas pelos bancos taxas de juro negativas nos créditos. Isto, num cenário de descida de 100 pontos base das taxas Euribor em que haja total transmissão dessa diminuição ao valor que os clientes do empréstimo pagam.

 

Já num segundo cenário, o BdP estudou o impacto dos mesmos 100 pontos base de redução da Euribor mas em que a taxa final nunca é inferior a zero, pagando sempre os clientes pelo menos o capital em dívida, sendo que nesse caso a margem financeira sofreria um impacto de 500 milhões de euros.

 

Por fim, num terceiro cenário, em que mesmo em caso de taxa Euribor negativa o cliente tem sempre de pagar o valor do spread, "o efeito sobre a margem financeira seria perto de zero".

 

Estes cenários foram feitos tendo em conta os balanços dos bancos portugueses em final de 2015 e servem de justificação para a posição transmitida pelo Governador do Banco de Portugal no Parlamento, onde que se manifestou contra a aplicação integral pelos bancos de taxas de juro negativas nos créditos.

 

O responsável disse mesmo que já enviou uma carta ao ministro das Finanças, Mário Centeno, a 5 de Abril, na qual sugeriu alterações à lei para que nos contractos de crédito já em curso haja a "obrigatoriedade de taxas de juro igual a zero sempre que da soma de indexante à margem spread resultasse uma taxa de juro [final] negativa".

 

O responsável quer evitar assim que, no limite, caso a taxa de juro final do crédito seja negativa e anule mesmo o spread, um banco tenha de pagar aos clientes pelo dinheiro emprestado, abatendo capital em dívida. Tal teria sobretudo impacto nos créditos à habitação.

 

Segundo a defesa feita pelo governador, nos contractos de crédito já existentes, os bancos devem abater o valor negativo da Euribor mas só até ao patamar de zero, deixando os clientes de pagar juros mas tendo de pagar a totalidade do capital.

 

Já para os novos contractos crédito, que no futuro sejam feitos pelos bancos, o Banco de Portugal defende que a lei deve referir que o indexante (Euribor) só pode ir a zero nos casos em que o indexante assuma valores negativos, obrigando o cliente a pagar pelo menos o 'spread'.

 

Carlos Costa argumentou hoje que é preciso ter muito cuidado no tratamento legislativo deste tema, uma vez que é preciso ter em atenção os "efeitos sobre o sistema financeiro" de eventuais alterações legislativas e alertou para a geração de "custos irreversíveis a médio e longo prazo" sobre os bancos.

 

Além disso, afirmou, actualmente a margem financeira dos bancos (é das rubricas mais importantes dos resultados de um banco e resulta da diferença entre os juros cobrados pelos bancos pelos créditos concedidos e os juros que os bancos pagam pelos depósitos que recebem) já está muito penalizada devido ao baixo valor de mercado das taxas Euribor e ao facto de a maior parte dos empréstimos em Portugal terem taxas de juro variáveis (usando com indexante precisamente a Euribor).

 

Sobre a carta-circular publicada pelo Banco de Portugal em Março de 2015, na qual informou que os bancos tinham de cumprir as condições estabelecidas nos contractos de crédito, mesmo quando o indexante de referência (como a Euribor) fosse negativo, o Governador admitiu que então "estava longe de imaginar o que se passou", uma vez que na altura só a Euribor no prazo a um mês é que estava negativa e que, desde então, tal se acentuou e também atingiu os prazos a três, seis e 12 meses, que desceram para terreno negativo.

 

Os partidos da esquerda parlamentar, PS, PCP e Bloco de Esquerda, têm vindo a preparar uma proposta legislativa conjunta para obrigar os bancos a reflectirem integralmente o valor negativo das taxas Euribor nos contractos de crédito à habitação.

 

No entanto, essa proposta foi adiada depois daquilo que os deputados de esquerda entenderam como uma mudança de posição recente do Banco de Portugal face há um ano, recomendando agora Carlos Costa que haja "no limite uma taxa de juro zero" e dizendo que vê "com muito maus olhos" a discussão que está a acontecer na Assembleia da República.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela