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Parkinson: Mulheres têm mais tremores, sofrem mais estigma e são diagnosticadas mais tarde

Lucília Galha 11 de maio de 2025 às 10:00

A típica imagem do doente como um homem idoso está desatualizada. A prevalência da doença é equiparada nos dois géneros, mas o sexo feminino enfrenta maiores desafios. Um relatório internacional chama a atenção para a necessidade de haver diferença no tratamento com base no género.

Se hoje a tendência é para o esbatimento da diferença entre sexos, a verdade é que na Saúde e nas doenças esse pode não ser o melhor caminho. Foi justamente no sentido oposto que se desenvolveu o estudo "Using a sex and gender-informed lens to enhance care in Parkinson’s disease",que contou com a participação de investigadores da Egas Moniz School of Health & Science, e foi publicada na revista científica Nature Medicine. O estudo concluiu que as diferenças de género têm um impacto significativo na progressão da doença de Parkinson - assim como na resposta aos tratamentos e na qualidade de vida dos doentes.

Getty Images

À SÁBADO, a investigadora da universidade, Josefa Domingos, explica que o relatório nasceu de uma iniciativa da Women’s Brain Foundation, que organizou uma mesa-redonda em 2023. "O encontro deu origem a uma reflexão coletiva sobre as lacunas existentes na forma como a doença é estudada, diagnosticada e tratada no que toca às mulheres.". A professora explica que embora o sexo feminino não esteja mais vulnerável à doença, enfrenta maiores desafios, tais como, atrasos no diagnóstico e bastante estigma - até da parte de outros doentes.

Tem também um risco aumentado de desenvolver movimentos involuntários e descontrolados e uma progressão mais rápida dos sintomas - por razões que ainda não estão completamente esclarecidas, mas sabe-se que as hormonas têm aqui um papel importante. A típica imagem do doente de Parkinson como um homem idoso está completamente desatualizada e é preciso ter em conta as alterações, reclama a investigadora. 

Como é que se percebeu que havia diferenças de género na doença Parkinson?
A necessidade de estudar estas diferenças tornou-se evidente na prática clínica quando percebemos que homens e mulheres vivem a doença de forma diferente: sintomas, progressão da doença, resposta ao tratamento, impacto na qualidade de vida e até acesso a cuidados variam significativamente entre géneros. Até há pouco tempo, a imagem típica de um doente de Parkinson era a de um homem idoso. No entanto, a investigação começou a mostrar que a prevalência entre géneros pode ser mais equilibrada do que se julgava, o que evidenciou que estas diferenças não podiam continuar a ser ignoradas.

Quem está mais vulnerável a desenvolver a doença?
Tradicionalmente, os homens são mais propensos a desenvolver a doença – com uma probabilidade 1,5 vezes superior. No entanto, estudos mais recentes revelam que essa diferença pode não ser tão acentuada e que, em certos contextos, a prevalência entre mulheres é igual ou até superior. A variação parece depender de fatores como idade, ambiente, genética e condições sociais.
Mas, embora as mulheres não estejam mais vulneráveis à doença, enfrentam desafios mais complexos na forma como são diagnosticadas e tratadas. Por exemplo, mulheres diagnosticadas com doença de Parkinson antes dos 40 anos enfrentam frequentemente um estigma mais acentuado no momento do diagnóstico, que tende a prolongar-se ao longo do tempo e está muitas vezes associado a carências afetivas e psicológicas.

O relatório indica que há uma progressão rápida, mas um início tardio dos sintomas motores e que as mulheres são mais propensas a tremores e movimentos involuntários e descontrolados. Porquê?
As mulheres tendem a desenvolver os sintomas motores da doença mais tarde, mas que, uma vez iniciados, os sintomas podem progredir mais rapidamente. Além disso, é mais comum nas mulheres a forma tremórica da doença, bem como o desenvolvimento de discinesias, isto é, movimentos involuntários causados pelo tratamento com levodopa. Há também uma maior incidência de sintomas não motores, como ansiedade, depressão, dor e fadiga.
As razões para estas diferenças ainda não estão completamente esclarecidas, mas acreditamos que estejam ligadas a uma combinação de fatores hormonais, genéticos e ambientais, o que reforça a necessidade de uma abordagem mais personalizada ao tratamento.

De que forma é que as hormonas estão implicadas na doença?
As hormonas desempenham um papel importante. Por exemplo, sabe-se que uma maior exposição ao estrogénio ao longo da vida está associada a um menor risco de desenvolver a doença. Inversamente, a menopausa precoce parece estar ligada a um início mais precoce dos sintomas. Além disso, muitas mulheres relatam um aumento dos sintomas durante a gravidez e durante os seus ciclos menstruais.

Muitas mulheres relatam sentimentos de vergonha, alterações na autoestima e tendência para esconder o diagnóstico, o que contribui para o isolamento social e o agravamento da saúde mental.

Josefa Domingos, investigadora na Egas Moniz School of Health & Science

Cargo

Aqui é importante sublinhar que estes relatos têm sido constantes ao longo dos anos, embora ainda faltem estudos que expliquem os mecanismos envolvidos. Paralelamente, é referido que os sintomas da menopausa podem ser confundidos com sinais precoces da doença, o que pode contribuir para um atraso no diagnóstico nas mulheres.

Porque é elas são frequentemente subdiagnosticadas e têm mais dificuldade em aceder a tratamentos especializados?
Uma das razões apontadas é o facto de a doença ainda ser amplamente associada ao sexo masculino, o que leva a uma menor suspeita de Parkinson em mulheres, tanto por parte dos médicos como das próprias pacientes. As mulheres tendem a demorar mais tempo até obterem um diagnóstico correto e a serem encaminhadas para especialistas em doenças do movimento.
Esta situação é agravada pela falta de formação específica dos profissionais de saúde em relação às diferenças entre os géneros na apresentação da doença, bem como pela ausência de ferramentas clínicas adaptadas às necessidades femininas.

O tratamento é ou deve ser diferente tendo em conta o género?
O tratamento deve, sem dúvida, ser adaptado ao género. As mulheres têm um maior risco de sofrer uma diminuição do efeito da medicação antes da dose seguinte e apresentam uma maior incidência de discinesias.
Os estudos indicam que as mulheres podem necessitar de uma dose de levodopa até 25% inferior, ajustada ao peso, para obter o mesmo efeito terapêutico que os homens, o sugere que, além da dose, também a forma como os medicamentos são administrados deve ser repensada em função do sexo, para evitar efeitos secundários e melhorar a eficácia do tratamento.
Mesmo a indústria farmacêutica poderia considerar o desenvolvimento de medicamentos com doses mais baixas ou formulados de modo a serem mais fáceis de dividir.

O prognóstico da doença também é pior nas mulheres?
O prognóstico é diferente, mas não necessariamente pior. As mulheres, por exemplo, apresentam uma taxa de mortalidade inferior à dos homens. No entanto, isto não significa que vivam melhor com a doença. Na verdade, enfrentam mais sintomas não motores, como ansiedade, fadiga e dor, que têm um impacto profundo na qualidade de vida e podem agravar o sofrimento diário.
Além disso, a sobrecarga emocional e social pode ser maior, especialmente quando as mulheres acumulam o papel de cuidadoras, seja no contexto da maternidade ou no cuidado de pais envelhecidos. Tipicamente, os homens que assumem funções de cuidadores demonstram, em geral, menor capacidade ou disponibilidade para desempenhar tarefas de cuidado de forma tão abrangente.

O estigma associado à doença é mais acentuado nas mulheres?
O estigma afeta fortemente as mulheres com Parkinson, sobretudo por causa da visibilidade dos sintomas, como os tremores. Muitas mulheres relatam sentimentos de vergonha, alterações na autoestima e tendência para esconder o diagnóstico, o que contribui para o isolamento social e o agravamento da saúde mental.
Simultaneamente, a associação cultural da doença a homens idosos faz com que as mulheres tenham mais dificuldade em identificar-se com a condição, o que pode afetar também a forma como lidam com o tratamento e com a progressão da doença.

Pode contar-me algumas histórias?
O tremor, que é um dos sintomas mais visíveis do Parkinson, continua a ser mal compreendido, mesmo dentro da própria comunidade de pessoas que vivem com a doença. Uma doente jovem partilhou comigo uma situação que ilustra bem este problema: durante uma atividade de grupo, outra pessoa com Parkinson dirigiu-se a ela e, de forma pouco sensível, pediu-lhe que parasse de tremer.
Quando comentários deste tipo vêm de pessoas que desconhecem a doença, é mais fácil compreender a falta de informação. No entanto, quando acontecem entre pessoas que também vivem com Parkinson e que participam regularmente em atividades específicas para doentes, estes episódios são particularmente chocantes. Revelam não só uma ausência de empatia, mas também uma preocupante falta de informação e sensibilização, mesmo dentro da própria comunidade de doentes.

As hormonas desempenham um papel importante na experiência da doença nas mulheres.

Josefa Domingos, investigadora na Egas Moniz School of Health & Science

Que políticas de saúde pública podem ser propostas para alterar este panorama?
Este estudo defende a implementação de várias políticas públicas e ações orientadas para uma abordagem mais inclusiva. A gestão da doença deve ser personalizada para considerar as diferentes fases da vida da mulher, incluindo o ciclo menstrual, a gravidez, a perimenopausa, a menopausa e o pós-menopausa. As mulheres necessitam de recomendações sobre estratégias de bem-estar e autocuidado que sejam culturalmente sensíveis e adaptadas às suas necessidades individuais.
No âmbito dos familiares e cuidadores, os mesmos devem receber orientação adequada sobre como apoiar, de forma holística, as mulheres que vivem com Parkinson, considerando as suas necessidades físicas, emocionais e sociais. Já as associações de doentes devem promover campanhas de sensibilização destinadas a combater estereótipos e estigmas de género associados à doença de Parkinson.
Finalmente, no que diz respeito à investigação, é fundamental incluir um maior número de mulheres nos ensaios clínicos, de modo a garantir que os tratamentos desenvolvidos sejam eficazes para ambos os sexos. E também deve ser incentivado o desenvolvimento de tecnologias e ferramentas digitais adaptadas às especificidades femininas. Um exemplo é a app My Moves Matter – que permite às mulheres monitorizar o seu ciclo menstrual e o impacto com medicação. 

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