Secções
Entrar

Fernão de Magalhães: O génio que cometeu um erro que o matou

12 de setembro de 2019 às 07:15

O historiador Luís Filipe Thomaz considera que "a genialidade" do navegador português está no feito inédito de ter atravessado o oceano Pacífico à primeira tentativa. Mas cometeu um erro que terá precipitado a sua morte nas Filipinas.

O navegador português Fernão de Magalhães foi um génio, ao "acertar à primeira com a travessia do Pacífico", mas cometeu um erro que terá precipitado a sua morte nas Filipinas, defende o historiador Luís Filipe Thomaz.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito dos 500 anos da primeira viagem de circum-navegação da Terra, feita por Magalhães e Elcano entre 1519 e 1522, o historiador disse que "a genialidade" do navegador português está no feito inédito de ter atravessado o oceano Pacífico à primeira tentativa.

"Acertou à primeira", frisou o autor do livro "O drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer", assinalando que o navegador quinhentista "escolheu a melhor rota do ponto de vista de ventos e correntes e nunca voltou para trás".

Segundo Luís Filipe Thomaz, a expedição comandada por Magalhães, que zarpou de Espanha em 20 de setembro de 1519, "apanha a circulação do anticiclone do Pacífico Sul e a corrente de Humboldt [ou corrente do Peru] até chegar ao Equador".

Depois, "apanha os ventos alísios do Hemisfério Sul e do Hemisfério do Norte até às Filipinas", onde o navegador morreu em 1521 antes de alcançar a sua meta, as ilhas Molucas (Indonésia), e voltar para Espanha novamente pelo Pacífico para não ser intercetado por navios portugueses.

Realçando a notabilidade da façanha de Fernão de Magalhães, o historiador recorda que o oceano Atlântico "que não era conhecido começou a ser explorado com a passagem do Cabo Bojador, em 1434", e terminou de ser explorado com a passagem do Cabo da Boa Esperança, em 1489.

"O Atlântico demorou 55 anos a ser explorado e é menor do que o Pacífico", salienta Luís Filipe Thomaz, enaltecendo o "perito navegador" que era Magalhães.

"Se não fosse, não tinha conseguido fazer a viagem que fez", sublinha, apontando que Fernão de Magalhães "não se enganava nem na posição do meridiano nem nas dimensões do globo".

O seu erro foi "avaliar a posição das Molucas em relação ao meridiano", sustentou Luís Filipe Thomaz.

De acordo com o historiador, especialista em estudos orientais, provavelmente quando Fernão de Magalhães chegou às Filipinas, em 1521, "sabia que estava mais ou menos a norte das Molucas".

"Por acaso, as Molucas estão ligeiramente mais para leste do que as Filipinas, mas é uma diferença pequena. Portanto, deve ter percebido que se tinha enganado, que as Molucas ficavam no hemisfério português", ao abrigo do Tratado de Tordesilhas, assinado por Portugal e Castela (Espanha) em 1494, refere.

A missão de Magalhães, ao serviço do rei de Espanha, era provar que as Ilhas das Especiarias, conhecidas pelo valioso cravo, se situavam no domínio espanhol.

"Pôs-se mal com D. Manuel [rei de Portugal] para provar que as Molucas eram dos espanhóis. Se reconhecesse o seu erro, punha-se mal com Espanha. Se não o reconhecesse, punha-se mal com a sua consciência", sintetiza Luís Filipe Thomaz para descrever "o drama" do navegador português.

Perante o dilema, o que fez Fernão de Magalhães?

"Há uma coisa que é perfeitamente irracional: faz aquela viagem toda e quando está a uma semana de viagem das Molucas, ou menos, em vez de ir para as Molucas, que eram o seu objetivo, anda a passear pelas Filipinas, de ilha em ilha, a imiscuir-se em lutas tribais onde encontrou a morte", relata o autor de "O drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer".

Fernão de Magalhães morreu em 27 de abril de 1521, na ilha de Mactan, às mãos do chefe tribal Lapu-Lapu, coroado herói nas Filipinas.

Para Luís Filipe Thomaz, há uma tese que lhe parece "psicologicamente correta" para explicar a conduta do navegador português, a do historiador uruguaio Rolando Laguarda Trías (1902–1998).

"Laguarda Trías põe a hipótese de que aquilo foi quase um suicídio. [Magalhães] foi-se meter numa briga sem interesse nenhum político porque estava num estado de desespero", destaca o historiador português.

Magalhães não se entregou literalmente à morte, ressalva, mas "ficou sem saber o que fazer, andou a imiscuir-se em lutas e acabou por se deixar matar estupidamente".

O mérito que teve, contudo, não lhe foi tirado.

"Planeou sozinho a viagem [pelo Pacífico] ou com o auxílio de Rui Faleiro", cosmógrafo de quem Fernão Magalhães "era amigo" e que, de acordo com Luís Filipe Thomaz, o ajudou nos cálculos das longitudes, mas foi impedido de embarcar pela Casa da Contratação em Sevilha, que limitou o número de tripulantes portugueses na expedição da Coroa espanhola.

Passados 500 anos, o nome do navegador português continua a ser lembrado no mar, mas também no céu, na terra e além-terra: num estreito que liga os oceanos Atlântico e Pacífico, ao sul da América do Sul, que o próprio descobriu, em estátuas e ruas, em duas galáxias anãs, as que foram observadas na viagem marítima, em telescópios, em sondas espaciais e em crateras na Lua e em Marte.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela