Sábado – Pense por si

Nunca regressar ao passado

Francisco José Viegas
Francisco José Viegas 16 de novembro de 2023 às 21:31

A vida é como é: durante o último século de presença portuguesa em Macau, (...) Portugal ligou-lhe quase tanto como às Berlengas.

No início do século XX, o conhecimento que as elites europeias tinham da China era quase nulo, como é reconhecido pelas próprias, quando finalmente os diplomatas ocidentais tiveram acesso a Pequim na última fase da dinastia Qing - depois da humilhação infligida pelas duas guerras do Ópio e pela destruição e vandalização da capital. Geralmente, porque eram interesseiras, interrogavam-se acerca do futuro (que, como ensina o capitalismo comercial, é sempre promissor) mas, sobretudo, não as incomodava suficientemente o desconhecimento do passado (que dura até aos nossos dias), que mediam em comparação com a sua história, as suas maneiras à mesa, a sua economia e os seus impérios. Esse passado (na arte, na engenharia, na literatura, na administração, na ciência, etc.) era extraordinário, mas os europeus, salvo exceções muito localizadas, nunca tiveram tempo de o conhecer - quanto mais de o respeitar ou compreender. Macau foi uma espécie de sorte que nos coube; por o imperador se ter recusado a receber os enviados de Lisboa, no século XVI, ficámos confinados ao sul e, com o tempo, a três pequenas porções no estuário do Rio das Pérolas, Macau, Coloane e Taipa, que hoje já não são parte do território (encostado a Zhuhai, na província de Guangdong) nem entram na condição de ilhas - mas um aterro contínuo dominado pelo império do jogo. Não vale a pena lamentarmo-nos. A vida é como é: durante o último século de presença portuguesa em Macau (de 1887, data em que, em Pequim, foi assinado o tratado de cedência "perpétua" do território, até 1987, quando - igualmente em Pequim - foi assinado o acordo para a sua devolução à China), Portugal ligou-lhe quase tanto como às Berlengas, salvo quando se percebeu a dinheirama que o jogo e a construção podiam canalizar para Lisboa. Se querem perceber como Macau se podia perpetuar na nossa memória, leiam Amor e Dedinhos de Pé, de Henrique Senna Fernandes; se querem recordar como Macau se perpetuou e se ignorou, leiam os romances de Fernando Sobral (A Grande Dama do Chá,O Segredo do Hidroavião,O Navio do Ópio,O Jogo das Escondidas, etc.) - que mostram episódios de cobiça, amor, segredo, aventura e ilusão, dos anos 20 até ao final do pequeno império português.

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