Secções
Entrar

Os 100 dias de desconfinamento num país que passou de "verde" a "vermelho"

24 de junho de 2021 às 07:53

A 15 de março o território continental apresentava uma taxa de incidência de novos casos de infeção por 100 mil habitantes de 84,2 e um índice de transmissibilidade do vírus de 0,79.

Cem dias depois de ter iniciado o desconfinamento na zona verde da matriz de risco, Portugal encontra-se com os indicadores de controlo da pandemia de covid-19 no "vermelho", com os alertas a soarem em Lisboa e Vale do Tejo.

Se em 15 de março, quando se iniciou o plano de alívio das restrições impostas para controlar a covid-19, o território continental apresentava uma taxa de incidência de novos casos de infeção por 100 mil habitantes de 84,2 e um índice de transmissibilidade (Rt) do vírus de 0,79, na quarta-feira estes indicadores estavam já nos 129,6 e no 1,18.

Com estes valores, o país entrou no quadrante vermelho da matriz de risco de controlo da pandemia, que estipula um limite de 120 casos por cem mil habitantes a 14 dias e um Rt - número de casos secundários de contágio resultantes de uma pessoa infetada -- inferior a 1.

Este agravamento da pandemia tem sido gradual e evidente nos últimos 31 dias, com o país a passar de 241 casos de infeção registados a 24 de maio para os 1.497 verificados na quarta-feira, o que representa um acréscimo de mais de 520%.

Nesse período, Portugal teve seis dias com mais de mil novos casos diários: 16 de junho (1.350), 17 de junho (1.233), 18 de junho (1.298), 19 de junho (1.183), 22 de junho (1.020), tendo atingido quarta-feira as 1.497 novas infeções, o maior número desde 24 de fevereiro.

Para esta evolução negativa no país tem contribuído, em grande medida, o agravamento da pandemia na região de Lisboa e Vale do Tejo, que, entre 24 de maio e 23 de junho, passou de 97 para os 964 novos casos de infeção registados no último boletim da Direção-Geral da Saúde.

Em 22 dos últimos 31 dias, Lisboa e Vale do Tejo teve mais de metade dos casos diários verificados em todo o país, chegando mesmo em dois destes dias -- 16 e 20 de junho - a atingir os 68% do total de infeções registas em Portugal.

Os especialistas atribuem o crescimento nesta região, sobretudo, à prevalência da variante Delta, associada à Índia e que apresenta uma capacidade de transmissão mais de 60% superior à Alpha, identificada inicialmente no Reino Unido.

As autoridades de saúde admitem também que a Delta possa já ser responsável por cerca de 70% dos casos de infeção em Lisboa e Vale do Tejo e que, a curto prazo, seja a estirpe prevalente em todo o território nacional.

Com o número de óbitos a manter-se baixo no último mês -- o máximo diário foi seis mortes verificadas em 10, 16 e 22 de junho -, o agravamento da pandemia começa a fazer-se sentir também na pressão sobre os serviços de saúde, apesar dos números de internamentos em enfermaria e em cuidados intensivos estarem bastante distantes dos registados no início do ano.

A 24 de maio, Portugal tinha 239 pessoas internadas em enfermaria por covid-19 e outras 57 em cuidados intensivos, mas, na quarta-feira, já estavam nas unidades de cuidados intensivos dos hospitais nacionais um total de 100 pessoas, um crescimento de 75% e que tem sido gradual ao longos dos últimos 31 dias.

Na análise desse período, 29 de maio foi o dia com menos doentes a necessitarem de cuidados intensivos, com 49 pessoas internadas nessas unidades.

Esse total de 100 doentes que estão em cuidados intensivos representa agora mais de 40% do limiar definido como crítico de 245 camas ocupadas, quando, a 28 de maio, o relatório das "linhas vermelhas" da pandemia adiantava que este valor estava ainda nos 22%.

A evolução da pandemia em Lisboa e Vale do Tejo reflete-se, assim, no número de doentes que precisam de internamento, o que já levou os hospitais desta região a avançarem para uma fase de prevenção para a eventual necessidade de aumentar o número de camas de cuidados intensivos nos próximos dias.

Na última semana, Lisboa e Vale do Tejo tinha 65% do total de doentes do país internados em cuidados intensivos, mas agora com um perfil diferente das anteriores vagas: se antes eram maioritariamente idosos, agora o grupo etário que mais precisa deste tipo de cuidados é o dos 50 aos 59 anos.

Para responder ao agravamento da pandemia, a estratégia do Governo passa por um reforço da testagem de diagnóstico à covid-19, incluindo para acesso a eventos desportivos, culturais e familiares, mas também pela aceleração da vacinação, sobretudo, na região de Lisboa, com a ministra da Saúde, Marta Temido, a apontar para a fasquia das 130 mil inoculações por dia em julho.

Mas, na quarta-feira, o coordenador da 'task-force' para o Plano de Vacinação contra a covid-19 admitiu um atraso de até 15 dias na meta de ter 70% de população vacinada com a primeira dose em 08 de agosto, por causa de adiamentos na entrega entregas de vacinas por parte das farmacêuticas.

Segundo dados da `task force´, cerca de 47% da população está vacinada com a primeira dose e 30% já tem a vacinação completa, mas o ritmo de vacinação começa a ser afetado pela falta de vacinas, um constrangimento que já se tinha verificado no início do plano de vacinação, que arrancou a 27 de dezembro de 2020.

Para já, parece estar afastada a possibilidade de o país regressar ao estado de emergência, que terminou a 30 de abril, uma vez que o Presidente da República tem reiterado que os números da covid-19 estão "muito longe" dos que o levaram a declarar esse quadro legal.

"As situações são diversas, e a explicação é uma: chama-se vacinação. E o caminho fundamental é esse. A solução para a pandemia, a solução duradoura, a solução definitiva chama-se vacinação. As outras soluções são soluções que são encontradas pontualmente, temporariamente, mas a única que é verdadeiramente de efeitos mais longos e eficazes é a vacinação", defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.

A 17 de junho, no final do último Conselho de Ministros, a ministra a Presidência, Mariana Vieira da Silva, admitia que Portugal poderia ter de travar a passagem para uma nova fase de desconfinamento, devido ao agravamento da taxa de incidência de novos casos e do índice de transmissibilidade, considerando que o país está "numa fase preocupante".

Já na terça-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido, considerou que o agravamento da situação epidemiológica da covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo pode levar a novas medidas de contenção da pandemia e a um eventual travão no processo de alívio das medidas.

Os alertas constam da última análise de risco das autoridades de saúde: Lisboa e Vale do Tejo pode ultrapassar 240 casos de infeção com o novo coronavírus por 100 mil habitantes em 15 dias e a variante Delta deve sobrepor-se nas próximas semanas no país.

As decisões do Governo são conhecidas hoje, cem dias depois do início de um desconfinamento a "conta-gotas" no território continental e que tem evoluído, de forma gradual, da zona verde da matriz de risco, que vigora desde então sem alterações, para os quadrantes laranja e vermelho, onde se encontra agora.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela