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Relatório da Provedora alerta para penas longas de prisão e falta de guardas

18 de junho de 2020 às 20:16

Portugal terminou 2019 com uma população prisional de 12.628 reclusos, o que representa uma ligeira redução de 111 reclusos (menos de 1%) em relação a 2018. A estes números acrescem 161 inimputáveis, internados em unidades fora do sistema prisional.

Portugal é o segundo país europeu com maior tempo médio passado por recluso nasprisões, com cerca de 32 meses, valor quatro vezes superior à média europeia (8), e nas cadeias faltam guardas, médicos, técnicos e funcionários.

Esta situação consta do relatório hoje entregue no parlamento pela Provedora de Justiça enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) em articulação com a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Segundo o relatório da atividade desenvolvida pelo MNP, Portugal "continua com um número de presos por 100.000 habitantes elevado", pois a média europeia está em 106,1 reclusos por 100.000 habitantes e Portugal tem 125,2.

Este fator contribui para uma taxa de ocupação elevada das prisões portuguesas, diz o MNP, que realizou 26 visitas (mais de metade dos EP nacionais), com incidência em Lisboa e Porto, e que incluíram deslocações à Clínica Psiquiátrica do Estabelecimento Prisional (EP) de Santa Cruz do Bispo e ao Hospital Prisional de São João de Deus.

O relatório indica que Portugal terminou 2019 com uma população prisional de 12.628 reclusos, o que representa uma ligeira redução de 111 reclusos (menos de 1%) em relação a 2018. Contudo, a estes números acrescem 161 inimputáveis, internados em unidades fora do sistema prisional. Desta população total, cerca de 7% são mulheres.

A larga maioria dos reclusos cumpre condenação (82%). Quanto à nacionalidade, cerca de 85% são portugueses. Sendo a lotação oficial do sistema prisional de 12.934 lugares, tal significa que, no seu global, não há sobrelotação: a taxa de ocupação era de 98%.

O MNP alerta que o facto de o sistema prisional português não se encontrar globalmente sobrelotado não invalida que a taxa de ocupação de vários EP nacionais ultrapasse os 100%. Esta sobrelotação continua a afetar, em particular, prisões de menor dimensão. A taxa de ocupação de EP, neste setor, é de 114%.

"Note-se que 22 dos 28 EP classificados com grau de complexidade de gestão médio estavam, no final de 2019, sobrelotados, chegando a taxa de ocupação a situar-se nos 160%, no EP de Torres Novas", aponta o relatório.

O relatório conclui ainda que o parque prisional português é "bastante heterogéneo e carece de restruturação, de forma a evitar situações de sobrelotação e de condições de detenção desumanas e degradantes" e saúda o propósito de construção de novas prisões, nomeadamente do novo EP no Montijo e em Ponta Delgada.

O relatório constata que a ocupação individual nas prisões não é a regra e alerta para a correlação entre sobrelotação e o risco de maus tratos, observando que esta preocupação tem, desde 3 de dezembro de 2019, um novo fundamento.

Nessa data, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no caso Petrescu versus Portugal, condenou Portugal por violações à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) devido às condições vividas pelo recluso romeno no EP junto à PJ de Lisboa e no EP de Pinheiro da Cruz, onde esteve preso entre 2012 e 2016.

As queixas de Petrescu centraram-se nas condições de reclusão, em particular devidas à sobrelotação e efeitos na higiene e salubridade.

No âmbito das medidas adotadas para aumentar a conscientização dos detidos quanto aos mecanismos de queixa existentes sobre casos de alegada tortura ou maus-tratos, o MNP reconhece no relatório como positiva a medida adotada pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para "reforçar a difusão do número da Linha Azul da Provedoria de Justiça, geralmente colocado perto de cabines telefónicas".

Nas prisões, o MNP diz ter observado que o número de profissionais de vigilância é, em geral, "deficitário", agravando a situação as recorrentes situações de ausência por incapacidade temporária (baixa médica).

No final de 2019, o corpo da guarda prisional era constituído por 4.259 efetivos.

"O rácio de cerca de três guardas prisionais para cada recluso pode parecer, no papel, como suficiente. Contudo, tendo em conta a rotatividade por turnos, o impacto das situações referidas de ausência por baixa médica, o diminuto número de guardas com posição de chefia e a discrepância entre EP nacionais, rapidamente se conclui que este número é, frequentemente e na prática, insuficiente face às necessidades das várias prisões nacionais", diz o relatório.

Para o MNP suscita "especial apreensão" no sistema prisional a incapacidade de atração e manutenção dos profissionais qualificados, como pessoal médico. Por exemplo, "no EP de Sintra o único estomatologista ao serviço iniciou licença sem vencimento, mantendo-se as instalações médicas sem utilização assídua".

No Hospital Prisional de São João de Deus deixou de ser assegurado acompanhamento nas especialidades de Cirurgia, Cardiologia, Otorrinolaringologia, Radiologia e Anestesiologia), assim como a inoperacionalidade de uma série de apetrechos médicos.

O MNP aponta ainda a "escassez de profissionais de enfermagem" em diversos EP, como o EP de Sintra, onde os quatro enfermeiros são insuficientes para as necessidades do EP com cerca de 750 presos.

O relatório assinala o investimento positivo na instalação de sistemas de videovigilância nos EP nacionais, com particular relevância nos EP de maior dimensão, prevendo-se que até finais de 2020 haverá mais 10 EP com cobertura total.

O relatório chama ainda a atenção para a necessidade de limitar a utilização do confinamento solitário do recluso, uma vez que vigora a medida disciplinar de internamento em cela disciplinar até 21 dias.

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