Secções
Entrar

“Quantos são?” Aumenta pressão sobre os dados da amamentação, mas Ministério não tem respostas

07 de agosto de 2025 às 07:00

Depois de ter falado dos "abusos", Maria do Rosário Ramalho tem evitado responder às questões sobre o número de casos, até porque, tal com Marta Esteves explicou à SÁBADO, provavelmente é impossível.

Depois de a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ter afirmando, numa entrevista ao Jornal de Notícias e à , que existem abusos no direito à amamentação as pressões para que Maria do Rosário Ramalho apresente os dados que sustentaram as suas afirmações aumentam, com especialistas, partidos e meios de comunicação a questionarem o ministério, até ao momento sem sucesso.  
Ministra do Trabalho questionada sobre dados da amamentação iStockphoto
Segundo a governante  só para terem o horário de trabalho reduzido em duas horas: “Infelizmente, temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária". Falta agora saber quantas são essas crianças. A SÁBADO questionou na terça-feira a tutela para perceber de quantos casos tem conhecimento, mas até à hora da publicação deste artigo não obteve qualquer resposta. Marta Esteves, advogada consultora em direitos parentais, explica à SÁBADO que as empresas não têm qualquer obrigatoriedade de informar a Segurança Social (SS) sobre se as suas trabalhadoras estão a usufruir da licença de amamentação, pelo que não há forma de Maria do Rosário Ramalho ter dados sobre os alegados abusos, a não ser que “sejam instaurados processos-crimes contra as trabalhadoras por falsas declarações”.   A advogada explica que para uma mulher ter acesso há licença de amamentação depois de o seu filho completar 12 meses é necessário “um atestado médico que normalmente é passado tendo em conta uma relação de confiança entre a mulher e o médico e com base nas declarações da mãe”, ora se “a entidade empregadora tiver suspeitas de que esta declaração é fraudulenta pode avançar para um processo disciplinar, para o despedimento com justa causa ou até um processo-crime tendo por base as falsas declarações”.  Neste caso, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social teria os dados pois “sempre que uma lactante é despedida, mesmo que seja por justa causa ou em despedimentos coletivos, é necessário um parecer positivo da Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego”, refere Marta Esteves.  A diferença entre a esta licença e outras a que os trabalhadores têm direito, como é o caso da licença parental, é que não é paga pela SS e por isso é que é tão difícil a ministra puder apresentar os números: “Estas duas horas diárias são pagas pela empresa e as empresas não têm que entregar nenhum levantamento à SS, é por isso que não há dados”, reforça a advogada.  Entre os especialistas que têm pedido ao Ministério que partilhe as informações em que Maria do Rosário Ramalho sustentou as suas declarações encontram-se o pediatra Manuel Magalhães, que fez até um apelo através das redes socias e partilhou com a SÁBADO: “Faço muitas consultas pediátricas todos os dias e atualmente consigo contar pelos dedos de uma mão as licenças que passo a mães com filhos com mais de dois anos. Mas as declarações da ministra deixam-nos a todos na dúvida e na suspeição. Afinal quantos são?”. Tendo em conta a sua experiência profissional o especialista afirma: “Duvido que existam 6% das mães a usufruir da licença de amamentação acima dos dois anos”. Isto porque, apesar de os dados do estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative: COSI Portugal 2022 apontarem para que 5,7% das mães continuam a amamentar aos dois anos, o especialista não acredita que seja essa a percentagem que usufrui da licença.   O mesmo estudo revela que apenas 21,8% das mães faz amamentação exclusiva até aos seis meses, um valor muito abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unicef. As organizações estabeleceram que Portugal deve chegar a 2030 com 70% dos bebés a serem amamentados em exclusividade até aos seis meses e 60% a serem amamentados, de forma complementar, até aos dois anos. “A ministra, se tem números devia torná-los públicos para que pudéssemos compará-los com os que a Unicef e a OMS pedem”, reforça Manuel Magalhães, comentando: “Estamos a anos-luz".  As declarações da ministra marcaram também o início da semana mundial do aleitamento materno, durante a qual a OMS tem feito várias publicações sobre o tema, defendo que todos os bebés têm o direito de ser amamentados, que as mães devem ter uma licença paga de seis meses e que é essencial o apoio do sistema. O pediatra reforça este último ponto referindo que “o que vemos é precisamente o contrário, são insinuações vagas e não fundamentadas sobre a amamentação por parte de quem representa o sistema”.

A importância de amamentar 

“Todos sabemos que os primeiros seis meses de vida são os em que a amamentação é mais importante, mas meter em causa em que idade se deve parar transforma negativamente as perceções das mães e da sociedade sobre a amamentação”, defende Manuel Magalhães.  Além disso, o pediatra explica que “apesar de existir a preceção de que se deve amamentar apenas até aos dois anos isso não é verdade”, até porque “o que a OMS pede é que haja amamentação complementar até aos dois anos, depois dessa idade pode ser mantida enquanto for boa para a mãe e para o bebé”.   Manuel Magalhães partilha que existem várias evidências científicas de que a amamentação depois dos dois anos “reduz a probabilidade de cancro do ovário e da mama na mãe, além de reduzir o risco de diabetes tipo 2”. Já para o bebé tem benefícios com a “redução de risco de obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, mortalidade e melhora o QI”. Tendo em conta estes benefícios o pediatra saliente que uma aposta da melhoria das condições de amamentação é “uma estratégia baratíssima que a longo prazo reduz muito os gastos em saúde”.   Além de todos estes fatores, o médico reforça a importância da amamentação enquanto “momento de vínculo emocional entre a mãe e o filho”.   A realidade é que “estamos muito longe das metas estabelecidas” e que “para lá chegar é preciso apoiar a amamentação”. Segundo a OMS a primeira coisa a fazer é criar políticas de apoio à amamentação no local de trabalho e depois aumentar as campanhas nacionais de informação sobre a importância da amamentação.  

Uma discussão maior 

Apesar da falta de dados e da relutância da ministra em voltar a falar deste tema, Marta Esteves acredita que poderia ser benéfico se fosse mesmo a SS a pagar as horas de dispensa concedidas pela licença de amamentação, isto porque “poderia reduzir em muito o assédio laboral a que estas mulheres são sujeitas”. Mais do que isso, a advogada partilha que esta polémica “gerou muita reflexão na sociedade civil sobre se estes não deveriam ser direitos dados a todas as crianças”. Para Manuel Magalhães esse foi também o ponto positivo: “Precisamos de discutir mais os direitos parentais”.  A realidade é que, se voltarmos aos dados da OMS, é recomendada a amamentação exclusiva até aos seis meses, algo impossível para a maioria das mães em Portugal, uma vez que a licença de maternidade vai apenas até aos cinco meses (que devem ser divididos entre a mãe e o pai). O médico vai mais longe e deixa uma ideia: “Por mim a licença de amamentação até poderia acabar porque deveria ser substituída por uma licença de parentalidade que podia ser usada por qualquer um dos progenitores”. No seu ponto de vista, os primeiros seis meses seriam pagos na totalidade e idealmente gozados pela mãe, “mas sem ser discriminatório se forem gozados pelo pai, porque mais do que alimentação estamos a falar de vínculo”. Depois disso, “a licença poderia ser alargada até aos dois anos durante o qual o Ministério em vez de estar a pagar a Creche Feliz, pagava aos pais que desejassem ficar com os seus filhos em casa”. Acima de tudo, Manuel Magalhães acredita que “é importante que este tema seja discutido e que o Ministério queira ouvir os especialistas”.  
Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

A longa guerra dos juízes que não se suportavam - o ataque

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

A longa guerra dos juízes que não se suportavam - o contra-ataque

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Vida

Encontraram soldados nazis enterrados no quintal

TextoSusana Lúcio
FotosSusana Lúcio
Exclusivo

Repórter SÁBADO. Jihadista quer cumprir pena em Portugal

TextoNuno Tiago Pinto
FotosNuno Tiago Pinto