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Presidente do Conselho da Magistratura diz que expressões de juiz Neto de Moura são "ofensivas"

05 de fevereiro de 2019 às 21:50

António Joaquim Piçarra votou a favor da sanção de advertência registada aplicada ao juiz Neto de Moura, autor de um acórdão em que minimizou um caso de violência doméstica pelo facto de a mulher agredida ter cometido adultério.

O presidente do Conselho Superior da Magistratura considerou, esta quarta-feira, que as expressões proferidas pelo juiz desembargadorNeto de Mouranos acórdãos que relatou, são ofensivas, desrespeitosas e atentatórias dos princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e da igualdade humanas.

"As expressões proferidas pelo juiz desembargador arguido, nos acórdãos que relatou, em especial no processo n.º 388/2014.6GAVLC.P1, ao referir-se à ofendida, enquanto "mulher adúltera", como "dissimulada", "falsa", hipócrita" e "desleal" são ofensivas, desrespeitosas e atentatórias dos princípios constitucionais e supraconstitucionais da dignidade e da igualdade humanas", segundo o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que é por inerência presidente do Conselho Superior da Magistratura.

António Joaquim Piçarra votou a favor da sanção de advertência registada aplicada ao juiz Neto de Moura, autor de um acórdão em que minimizou um caso de violência doméstica pelo facto de a mulher agredida ter cometido adultério.

Na sua declaração de voto, António Joaquim Piçarra refere que a independência dos juízes é um valor fundamental do Estado de Direito e da democracia e implica a capacidade de decidir sem constrangimentos assim como a faculdade de fundamentar e motivar as decisões de forma absolutamente livre.

Contudo, considera que essa independência não é compatível com a utilização de expressões que ultrapassam o limite da ofensa.

"O princípio da independência não é compatível, porém, com a utilização de expressões que ultrapassam o limite da ofensa ou do respeito devidos a qualquer interveniente processual, seja na fundamentação escrita de qualquer decisão, seja na condução oral de qualquer diligência processual", escreveu António Joaquim Piçarra.

O presidente do CSM e do STJ acrescenta que "a valoração da prova é absolutamente insindicável por este Conselho, porque integra o tronco central do princípio da independência".

Todavia, acrescenta, "as referidas expressões exorbitam a valoração da veracidade do depoimento da ofendida sobrelevando das mesmas o seu caráter ofensivo, que se constitui em infração disciplinar por violação do dever de correção".

Já o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Belo Morgado, que também votou a favor da sanção, considerou que "a fundamentação das sentenças não pode resvalar para o campo não jurídico, de discussão moral, ideológica, religiosa ou panfletária, em especial quando esteja em causa a defesa de teses manifestamente contrastantes com valores essenciais da Ordem jurídico-constitucional (mormente, de tipo racista, xenófobo, sexista, homofóbico, etc.)".

Na sua posição sobre a matéria o juiz Belo Morgado defende que "a fundamentação de decisões judiciais com recurso a elementos que não constituem fontes de direito, enunciados enquanto argumento histórico, social ou cultural, secundários e coadjuvantes do regime jurídico vigente, não envolve, só por si, qualquer desvalor da decisão, podendo até, em certos casos, contribuir para o enriquecimento da mesma.

No entanto, acrescenta, as decisões judiciais constituam espaço de expressão vinculada ao quadro de valores jurídico-constitucionais, que sobrepõe ao quadro particular de valores perfilhado por cada pessoa concreta.

Para o juiz Belo Morgado, está fora da esfera de proteção do princípio da independência "a utilização de expressões graves e desnecessariamente ofensivas dos intervenientes processuais, em especial quando as mesmas, no limite, até possam assumir relevância jurídico-criminal".

Além disso, frisou, "é notório que a utilização de expressões ofensivas nas sentenças é incompatível com os imperativos de dignidade, decoro, retidão, probidade, prudência e sobriedade inerentes às funções dos magistrados judiciais, colocando fortemente em causa a confiança dos cidadãos nos tribunais e o prestígio/credibilidade dos Juízes".

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