A privacidade é o maior instrumento de poder do século XXI, sobretudo num momento histórico em que a democracia fraqueja e o autoritarismo populista se manterá em crescendo
Hoje sabemos que o êxito das redes sociais é a morte da privacidade. Mas talvez não nos apercebamos do preço real desse sucesso e desse óbito. The Social Dilemma, o documentário de Jeff Orlowski que denuncia os mecanismos de vigilância e de recolha de dados pessoais que estão no ADN dos motores de busca e dos social media, recorrendo a testemunhos dos próprios criadores de alguns dos sistemas do chamado Big Data, é apenas mais uma conta no rosário dos crentes da Google, do Facebook, do Instagram ou do Tiktok, alertando-os inutilmente para os perigos que enfrentam cada vez que cedem de forma voluntária a sua privacidade online. A pandemia e o confinamento só aumentaram a dependência. Como lembra Carissa Véliz, uma especialista em ética dos media que colabora com o Guardian ou a New Statesman, dezenas de reportagens e notícias já descreveram com minúcia o episódio da empresa de informações que, em 2014, vendeu os dados pessoais de centenas de milhares de cibernautas a criminosos que usaram esses dados para fazer levantamentos bancários não autorizados; o caso de 18 de Agosto de 2015, quando hackers tornaram pública a base de dados de 30 milhões de clientes do Ashley Madison, o site de relacionamentos extraconjugais para homens e mulheres casados, levando a divórcios, extorsões e suicídios; o infame dossiê da Cambridge Analytica, que usou as informações acumuladas pelo Facebook de 87 milhões dos seus utilizadores para propaganda personalizada que influenciaria o desfecho do Brexit e das presidenciais de 2016 nos EUA; ou os milhares de notas de rodapé a que já nos habituámos, anestesiados pela felicidade da penúltima selfie, como o caso da espanhola que se suicidou em 2019 após um ex-namorado ter divulgado, no WhatsApp dos colegas de trabalho dela, um vídeo sexual de ambos. Escreve Véliz: "Os dados pessoais online são perigosos porque são sensíveis, difíceis de manter seguros, altamente susceptíveis de mau uso e desejados por muitos – de criminosos a seguradoras e a agências de segurança"; ou de grandes farmacêuticas a governos. Sem privacidade não existe liberdade: liberdade de votar sem interferências, de ler sem manipulações, de pensar sem ruídos. Mas insistimos em pouco ou nada fazer para alterar o quadro legal, económico e comportamental que limite estes assaltos cibernéticos à intimidade e estes homicídios públicos de carácter. Damos por adquirido que a volatilidade do que temos de mais íntimo é o preço a pagar pela conexão tecnológica e pela livre circulação informativa. Estamos errados: a privacidade é o maior instrumento de poder do século XXI, sobretudo num momento histórico em que a democracia fraqueja e o autoritarismo populista se manterá em crescendo. Ou talvez vivamos num capitalismo de vigilância mas não nos importemos com isso. Até ser tarde demais.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Não foi fácil, mas desvendamos-lhe os segredos do condomínio mais luxuoso de Portugal - o Costa Terra, em Melides. Conheça os candidatos autárquicos do Chega e ainda os últimos petiscos para aproveitar o calor.
Prepara-se o Governo para aprovar uma verdadeira contra-reforma, como têm denunciado alguns especialistas e o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, num parecer arrasador.
Imaginemos que Zelensky, entre a espada e a parede, aceitava ceder os territórios a troco de uma ilusão de segurança. Alguém acredita que a Rússia, depois de recompor o seu exército, ficaria saciada com a parcela da Ucrânia que lhe foi servida de bandeja?
No meio do imundo mundo onde estamos cada vez mais — certos dias, só com a cabeça de fora, a tentar respirar — há, por vezes, notícias que remetem para um outro instinto humano qualquer, bem mais benigno. Como se o lobo mau, bípede e sapiens, quisesse, por momentos, mostrar que também pode ser lobo bom.