Sábado – Pense por si

João Pedro George
João Pedro George
18 de julho de 2018 às 09:00

Paisagem doméstica

Curvado outra vez sobre o computador, estendo-me em considerações várias, ricas de anotações políticas, históricas, sociológicas sobre as mulheres e as viúvas dos escritores portugueses, coisas solidamente arquitectadas que tento à força conter dentro dos limites razoáveis.

Estou em maré alta de inspiração. Corro para a mesa, sento-me na cadeira, ligo o computador com ímpeto e imediatamente me ponho a escrever o título: Mulheres da Literatura Portuguesa. Quando começo a alinhar a primeira frase, reparo nuns olhos de 3 anos fitando-me, investigando o que estou a fazer. É a minha filha. Quer ver desenhos animados, a legítima diversão, o natural recreio dela depois do jantar e antes de adormecer, altura em que lhe conto, às escuras, uma história inventada. Desenhos animados: um processo infalível quando se precisa de uns bons 45 minutos para trabalhar. Depois de atender ao pedido da fedelha, entrego-me de novo às leis da escrita. Sinto-me preparado mentalmente para um artigo com grande estilo e imaginação. Do meu lado esquerdo tenho cadernos cheios de notas para futuros textos. Às vezes olho para eles, outras paro para pensar. Sou arrancado à contemplação por um pedido desesperado: "Tenho fome! Quero comer alguma coisa!" No começo tenho sempre uma certa tolerância, pergunto-lhe o que é que lhe apetece. Pedincha-me uma bolachinha e um iogurte igual aos da escola.

Para continuar a ler
Já tem conta? Faça login

Assinatura Digital SÁBADO GRÁTIS
durante 2 anos, para jovens dos 15 aos 18 anos.

Saber Mais
Editorial

Só sabemos que não sabemos

Esta ignorância velha e arrastada é o estado a que chegámos, mas agora encontrou um escape. É preciso que a concorrência comece a saber mais qualquer coisa, ou acabamos todos cidadãos perdidos num qualquer festival de hambúrgueres