Outras vezes nunca percebemos. E ficamos a vida inteira a duvidar de nós mesmos. Será que somos assim tão lerdos? Será que estamos condenados a viver na ignorância eterna? Talvez a frase “um dia vais perceber” seja apenas uma maneira educada de dizer “não tens capacidade para isto”.
A FRASE “UM DIA VAIS PERCEBER” é uma das mais insuportáveis criações da língua portuguesa. É uma frase armadilhada, cheia de condescendência, uma espécie de bomba-relógio que nos largam no colo para explodir mais tarde. Quem a diz tem um ar sábio, quase paternal, como se guardasse a chave de todos os segredos da existência. Quem a ouve fica entre a raiva e a impotência. Porque “um dia vais perceber” é, acima de tudo, um atestado de menoridade intelectual temporária. Essa frase, dita com o tom certo – o tom do “eu sei, tu não” –, tem o poder de nos reduzir à condição de crianças malcomportadas. Não importa a idade que temos: ouvir “um dia vais perceber” faz-nos sentir como se estivéssemos a usar sapatos de alguém maior, a tropeçar em ideias que, aparentemente, ainda não estamos prontos para calçar. Mas o problema maior de “um dia vais perceber” é que é uma frase preguiçosa. Quem a diz raramente se dá ao trabalho de explicar o que há para perceber. É uma desculpa disfarçada de sabedoria. Em vez de argumentar, de justificar ou de ensinar, a pessoa opta por atirar-nos para um futuro incerto: “Agora não te vou explicar, mas um dia, num momento de epifania, tu vais perceber e fazer parte deste clube exclusivo.” Não há data marcada, não há manual de instruções, só uma promessa vaga que te deixa sozinho a tentar adivinhar o que é que não entendeste. O pior é que, às vezes, até percebemos. E é uma desilusão. Chega o tal dia, anos depois, e o grande mistério que nos lançaram, como uma profecia divina, revela-se tão banal que quase dói. É como abrir um presente que te prometeram ser surpreendente e encontrar uns sabonetes lá dentro. Sabonetes úteis, sem dúvida, mas longe de merecerem tanto suspense. Outras vezes nunca percebemos. E ficamos a vida inteira a duvidar de nós mesmos. Será que somos assim tão lerdos? Será que estamos condenados a viver na ignorância eterna? Talvez a frase “um dia vais perceber” seja apenas uma maneira educada de dizer “não tens capacidade para isto” – só que ninguém teve coragem de o admitir.
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