As músicas que tratei mal
Bruno Nogueira Humorista
07 de junho

As músicas que tratei mal

Para me vingar dos anos que escondi as músicas que gosto, fiz uma playlist livre de todos, e principalmente livre de mim. Tal como seria de esperar, é um conjunto de canções que fui perdendo ao longo dos anos por achar que era diferente do que sou.

A PLAYLIST DO SPOTIFY da minha filha mais nova é uma lição de liberdade. Quando se é novo o preconceito ainda não ganhou raízes, e o gosto musical não obedece à opinião de terceiros para ser validado. É o resultado imediato daquilo que a música provoca no corpo dela, sem espaço para um julgamento maior que a faça pensar pela cabeça dos outros para tentar ser o que não é. Bandas sonoras que ali convivem sem nunca saber quão perto sempre estiveram uma da outra. Dão-se todas bem num espaço fechado, e nunca por um momento olham de lado umas para as outras a questionarem-se sobre quem devia estar em primeiro. É um caos organizado que só acontece quando pensamos menos sobre o que deveríamos ouvir, e ouvimos mais o que nos apetece. Há ali uma justiça poética que foi reivindicada e que era tão bonito que não desaparecesse nunca, como se todos os dias fossem dias bons para fazer curvar o preconceito. Naquele continente musical sem lei que o julgue, é possível ouvir Beatles e logo a seguir funk brasileiro, sem prejuízo nem privilégio para nenhum deles. É um território neutro, sem espaço para considerações adultas e cheias de palavras chatas. Não interessa o que um adulto possa pensar daquelas escolhas, porque aquelas músicas alegram quem as escolheu para ali estarem precisamente por aquela ordem. E essa lista está-se nas tintas para quem a possa ouvir sem ter sido convidado, e só se preocupa em agradar quem a fez e cuida dela. São escolhas que reflectem o resultado de várias companhias diferentes, e que levam a que seja feita uma triagem e depois se some as que mais eco provocaram nela.

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