Para me vingar dos anos que escondi as músicas que gosto, fiz uma playlist livre de todos, e principalmente livre de mim. Tal como seria de esperar, é um conjunto de canções que fui perdendo ao longo dos anos por achar que era diferente do que sou.
A PLAYLIST DO SPOTIFY da minha filha mais nova é uma lição de liberdade. Quando se é novo o preconceito ainda não ganhou raízes, e o gosto musical não obedece à opinião de terceiros para ser validado. É o resultado imediato daquilo que a música provoca no corpo dela, sem espaço para um julgamento maior que a faça pensar pela cabeça dos outros para tentar ser o que não é. Bandas sonoras que ali convivem sem nunca saber quão perto sempre estiveram uma da outra. Dão-se todas bem num espaço fechado, e nunca por um momento olham de lado umas para as outras a questionarem-se sobre quem devia estar em primeiro. É um caos organizado que só acontece quando pensamos menos sobre o que deveríamos ouvir, e ouvimos mais o que nos apetece. Há ali uma justiça poética que foi reivindicada e que era tão bonito que não desaparecesse nunca, como se todos os dias fossem dias bons para fazer curvar o preconceito. Naquele continente musical sem lei que o julgue, é possível ouvir Beatles e logo a seguir funk brasileiro, sem prejuízo nem privilégio para nenhum deles. É um território neutro, sem espaço para considerações adultas e cheias de palavras chatas. Não interessa o que um adulto possa pensar daquelas escolhas, porque aquelas músicas alegram quem as escolheu para ali estarem precisamente por aquela ordem. E essa lista está-se nas tintas para quem a possa ouvir sem ter sido convidado, e só se preocupa em agradar quem a fez e cuida dela. São escolhas que reflectem o resultado de várias companhias diferentes, e que levam a que seja feita uma triagem e depois se some as que mais eco provocaram nela.
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